Angola: Liberdade de imprensa divide opinião pública
3 de maio de 2018Apesar de assinalarem algumas melhorias na observância do contraditório nos meios de comunicação públicos e privados, jornalistas e cidadãos angolanos ouvidos pela DW África apontam a atual lei de imprensa e demais legislação como obstáculos ao exercício da profissão. O passado de propaganda e os processos judiciais contra jornalistas são também problemas atuais, dizem.
O jornalista Alexandré Solombe discorda da corrente que defende ter havido evolução no país, no que toca à liberdade de imprensa. Para este profissional independente, existe um aproveitamento dos pronunciamentos do Presidente João Lourenço por parte dos adeptos da propaganda.
Aponta como exemplo a conferência de imprensa sobre o alargamento das emissões da Rádio Ecclesia para todo país. Solombe entende que não é possível haver mudanças na comunicação social angolana em tão pouco tempo.
"Em sete meses não se muda o contexto, não se muda a questão da liberdade de imprensa que sustentou ao longo dos anos o partido no poder, com a propaganda que dominou principalmente os órgãos públicos de comunicação social", argumenta.
Para o jornalista, "o que se pretende é passar a ideia de que o Presidente João Lourenço, num estalar de dedos, resolveu o problema, quando, na verdade, os problemas continuam presentes".
Alexandre Solombe reconhece que existe atualmente uma certa abertura por parte da imprensa pública, nomeadamente no que concerne à observância do contraditório e nos convites a figuras consideradas críticas do regime para participarem nos programas de rádio e televisão. "Mas só isso não basta", frisa. O jornalista considera que a própria lei é um empecilho à liberdade de imprensa no país: "Nós continuamos a ter a mesma legislação, a mesma lei de imprensa que fixa mínimos de capital para a abertura de uma rádio de cobertura nacional, uma rádio de cobertura local ou então uma agência de notícias, o que não é normal".
"Um certo progresso"
Há quem considere, no entanto, que o atual quadro de liberdade de imprensa em Angola é positivo.
Para o professor Abraão Messamessa, as mudanças operadas na liderança dos destinos do país permitiram uma maior confluência de várias visões e opiniões na comunicação social angolana: "Os média que, de há um tempo a esta parte, eram mais fechados, tentam agora fazer um esforço para congregar os vários extratos sociais. Neste caso, podemos dizer que estamos avançar bem", frisa.
Também Memória Ekolica, coordenador da organização não-governamental Horizonte Media de Angola, HOMEA, reconhece que num passado recente o país atravessou fases mais complicadas no que toca ao exercício da liberdade de imprensa. Face à atual situação, aplaude a abertura que começa a existir por parte do poder político.
"Já se nota um certo progresso, não tão grande como se deseja mas, pelo menos, mais ou menos aceitável. Já existe um certo envolvimento do novo Governo naquilo que deve ser a liberdade de imprensa", considera. Memória Ekolica espera que alguns jornalistas que durante muitos anos atuaram como propagandistas do regime tenham a capacidade de adaptação ao novo contexto sócio-político que se vive no país.
"Aberturas políticas não bastam, se os homens não estiverem completamente educados", afirma. Defende que é preciso "educar o jornalista para se despir da mentalidade antiga e ir abrindo espaços em função da pequena liberdade que o Estado já deu". Afinal, sublinha, "os profissionais da comunicação social têm por tarefa alargar o seu espaço de atuação a outras áreas que o Estado não pretende ou tem dificuldades em abrir".
"Parece-nos ser o pior, neste momento em que já se nota uma abertura: há um fechamento fruto do tempo de propaganda que se fazia em relação ao jornalismo", conclui.
Imprensa VS Justiça
Para o jornalista Coque Mucuta, há ainda um longo caminho a percorrer em relação à liberdade de imprensa em Angola. Mucuta diz que existem ainda muitas limitações no exercício da profissão e aponta como exemplo os processos judiciais contra jornalistas e a falta de abertura das fontes.
"Os jornalistas ainda têm algum receio de contatarem algumas fontes. As fontes ainda estão totalmente fechadas, ainda existem muitos processos contra jornalistas, por fazerem uma ou outra notícia", sublinha, exemplificando com o processo contra Mariano Brás e Rafael Marques.
Teixeira Cândido, secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, é bastante crítico ao estado da liberdade de imprensa em Angola, que na sua opinião, é influenciada pela atual lei de imprensa que classifica como um recuo nas liberdade e garantias anteriormente conquistadas.
"Diz a nossa Constituição que o Estado promove a diversificação de informação, mas isto verifica-se apenas em Luanda, e mais seis províncias que contam, por exemplo, com o sinal da Rádio Ecclesia enquanto as outras continuam a depender única e exclusivamente há 43 anos da Rádio Nacional de Angola", lamenta.
E o problema passa também pela imprensa: "Por outro lado, os jornais privados não chegam a treze províncias do país e, portanto, a população lê somente o Jornal de Angola".