Lei para prevenir branqueamento de capitais "impunha-se"
30 de outubro de 2019A proposta de Lei de Prevenção e do Combate ao Branqueamento de Capitais, Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição Massiva foi, esta terça-feira (29.10), aprovada na generalidade, passando agora à discussão, na especialidade, no Parlamento angolano.
Citado pela agência de notícias Angop, o secretário de Estado da Justiça, Orlando Fernandes, explicou que a proposta de lei, que vai substituir o diploma de 34/11 de 12 de dezembro de 2010, "comporta inovações no capítulo da avaliação nacional de risco e da abordagem baseada no risco percebido".
Além disso, leva em conta algumas das recomendações feitas ao país pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), uma organização internacional que define os padrões normativos para as iniciativas anti-branqueamento de capitais.
Em entrevista à DW África, o economista angolano Josué Chilundulo afirma que a atualização da Lei do Branqueamento de Capitais em Angola era necessária pois "traz de forma mais evidente os limites da atuação dos agentes públicos", entre outros motivos.
Chilundulo acredita que "o acelerar desta lei no Parlamento, em detrimento, por exemplo, do debate sobre as autarquias", é uma forma de informar o mercado internacional de que Angola está "interessada em resolver os indicativos negativos".
DW África: Foi aprovada na generalidade a Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo. O Governo fala de "inovações no capítulo da avaliação nacional de risco e da abordagem baseada no risco percebido". Na prática, o que é que isto significa? É uma lei "preventiva”?
Josué Chilundulo (JC): O combate ao branqueamento de capitais impõe-se não só por uma exigência do FMI e de outras agências internacionias, mas acima de tudo pelos resultados da corrupção e do branqueamento em si para a economia de Angola. Nesta altura, o país tem até limitações no acesso a moedas estrangeiras, um pouco por causa destas consequências. Conexa ao branqueamento de capitais está a presença de pessoas politicamente expostas, e isso não só tem estado a comprometer a mobilização de investimento direto estrangeiro, como também a encarecer a contratação pública. Por isso, termos uma lei que dá liberdade ao poder judicial de realizar ações de inibição, e até de punição, [é] uma espécie de sinal de alerta ao mundo de que Angola está a tentar controlar o sistema financeiro.
DW África: Portanto, na sua opinião, esta é uma lei que traz mudanças substanciais. Era uma atualização necessária...
JC: É uma atualização que se impõe, principalmente sob a pespetiva da retirada das pessoas politicamente expostas. Ou seja, [esta lei] traz de forma mais evidente os limites da atuação dos agentes públicos, com cargos públicos, envolvidos em negócios, como também alarga a base conceitual em torno do branqueamento de capitais. A lei anterior era muito "pirotécnica", mas não tinha substância suficiente para observar artimanhas, que até foram utilizadas através de mecanismos oficiais para branquear o capital. Esta lei, que tem até a assistência do FMI, parece-nos trazer mais substância e parece-nos ser observada, do ponto de vista externo, como sendo mais favorável.
DW África: A oposição, no entanto, coloca uma questão em cima da mesa: se o Governo não conseguiu combater o branqueamento de capitais, já com uma lei em vigor, porque conseguirá desta vez? Esta é, na sua opinião, uma questão plausível?
JC: É plausível, porque, como se tem dito nos bastidores, o problema de Angola nunca foi a existência ou inexistência de leis. Foi sempre a capacidade do Governo de supervisionar as suas decisões e ter capacidade de realização. Esta lei já foi criticada várias vezes, mas o Governo tardou [em alterá-la], e hoje as consequências estão aí. Porque, quando o Governo teve oportunidade, por via das leis que já existiam, de supervisionar ou fiscalizar mais os agentes públicos em relação à contratação pública, não o fez.
DW África: Podemos dizer que a mudança na legislação pretende mostrar à comunidade internacional que pode passar a confiar em Angola?
JC: Angola nem sequer tem espaço de negociação, atualmente. Os conflitos no mercado cambial têm estado a resvalar-se para tensões sociais. Nós somos uma economia que depende, excessivamente, de importações. Qualquer conflito que tenhamos no acesso a divisas compromete a velocidade do crescimento económico que se quer. O acelerar desta lei no Parlamento, até em detrimento, por exemplo, do debate sobre as autarquias, significa exatamente isso: que é do interesse do Governo angolano passar uma mensagem ao mercado internacional de que está aberto a negociações e que está interessado em resolver os indicativos negativos que existem em relação à liberdade económica, transparência e à questão da corrupção e infrações conexas. Penso que [a lei] é positiva, mas não basta olharmos para fora. É também importante olharmos para dentro, porque existem muito pontos de estrangulamento internos, que, se não forem eliminados, esta "aparência" para o exterior será em vão.
DW África: Que pontos são esses que precisam de ser eliminados?
JC: Nós temos um modelo de governação muito tenso, que não permite inovação, que não permite flexibilização nos processos de tomada de decisão e que, para além de encarecer a estrutura governativa, cria oportunidades para a corrupção e o despesismo. E se não olharmos com alguma seriedade para a qualidade da despesa pública, em vão serão todas as decisões que forem tomadas. É preciso que se melhorem os procedimentos internos, e aí acho que o Presidente João Lourenço, por causa do custo político que isso implica, tem estado a ter alguns receios.