Angola: O voto de quem tem pouco ou nada
21 de agosto de 2017No bairro Zango III, na grande Luanda, há moradores que vivem em desespero: desde 2016, milhares de famílias viram as suas casas destruídas, porque na área onde vivem, numa localização privilegiada, está prevista a instalação de uma "zona económica especial".
Foi no Zango que, há um ano, Rufino António, um adolescente de 14 anos, foi morto a tiro por um militar. No local, o exército escavou valas e erigiu muros e cercos de arame - as populações que insistem em ficar na região vivem praticamente cercadas pelas forças de segurança.
"As entradas existentes são controladas pela tropa, as pessoas que querem ir ao seu bairro têm de passar por um controlo militar. Os camiões que vão lá abastecer as pessoas com água ou comida têm de passar por esses controlos. Sem credencial, não entram", explica André Agusto, coordenador da organização não-governamental SOS Habitat.
Calma durante a campanha
Estima-se que cerca de cinco mil famílias vivem no Zango. Além das demolições, tem havido denúncias de abusos sexuais de mulheres por parte de militares. Os moradores relatam, no entanto, que o período das eleições lhes trouxe algum sossego.
"Deixou de haver aquelas ameaças…", conta João Abílio, um antigo vizinho de Rufino António.
Alguns moradores do Zango III dizem que não vão às urnas, outros afirmam que vão fazer a cruzinha, porque o voto é um dever cívico. Mas todos, sem excepção, mostram-se insatisfeitos com o desempenho dos políticos que os governam atualmente. Abílio teme que os despejos continuem após as eleições gerais de 23 de agosto.
"Estamos a aguardar que as eleições passem, porque a qualquer altura podem obrigar-nos a sair", diz. "Com esta aflição, o povo não se sente satisfeito."
"Nós já estamos aqui há muitos anos, não temos para onde ir", sublinha Conceição António, outra moradora. "Querem tirar-nos daqui com as nossas crianças? Não temos nada. Como vamos sair daqui?"
Boicote às eleições?
No Zango I residem, desde 2009, comunidades de pescadores desalojadas da Ilha de Luanda. Na altura, foram instaladas em tendas, tendo-lhes sido dito que essa era uma solução provisória e, mais tarde, lhes seriam dadas novas casas. Isso nunca aconteceu.
"Aqui não temos nada", denuncia Fernando Pinto, um dos desalojados da ilha de Luanda há oito anos e que se assume como um porta-voz da comunidade. "Não há água - compramos água, o bidão tem sido a 50 a 100 kwanzas [€0,25 a €0,50]. Não há luz. Não há nada. Não há ninguém que assuma a responsabilidade."
Pinto considera que o boicote às eleições gerais de quarta-feira anunciado por alguns eleitores, em sinal de protesto, "não é uma boa ação". Por outro lado, "é necessário que os políticos procedam bem", afirma.
"Todo o angolano deve ser encarado pelos políticos como um cidadão. Mas aqui tem sido o contrário. Por isso, pode surgir uma desavença nestas eleições, mas vamos lutar para que isso não aconteça…"
Segundo André Augusto, coordenador da SOS habitat, "quando as pessoas vivem mal, perdem a vontade de todas as coisas. Nesta base é que muitas pessoas estão a pensar em boicotar as eleições. Mas o boicote das eleições não seria a melhor solução."
"As pessoas deveriam ir às urnas e escolher aqueles que acharem que têm políticas capazes de mudarem a vida das pessoas um dia", conclui Augusto.