Angola: Suspensões no judiciário expõem órgão "infetado"
28 de janeiro de 2024Em Angola, as recentes suspensões de um procurador e um juiz voltam a trazer questionamentos sobre o atual estado da justiça no país.
Os processos foram instaurados pelos Conselhos Superiores da Magistratura Judicial e do Ministério Público angolano: o procurador, em finais do ano passado, por ser pastor de uma igreja evangélica; e o juiz, este mês, por "conduta inadequada em relação a um imóvel" a si atribuído.
Em declarações à DW África, o jurista Alberto Quixinaxo diz que órgão que fiscaliza as atividades dos juízes está "completamente infetado".
"Eu, quando digo 'infetado', me refiro à questão da legitimidade do titular daquela instância", argumenta Quixinaxo, referindo-se ao juiz Joel Leonardo, também presidente do Tribunal Supremo angolano.
Decisões levantam "suspeições"
Sobre o titular daquela instância, há denúncias de gestão danosa, desvios de fundos públicos e sentenças encomendadas. O caso, que veio à tona no ano passado, ainda está a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Contudo, para Quixinaxo, "enquanto o Conselho Superior da Magistratura continuar a ser dirigido pelo juiz presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, as decisões que forem tomadas, quer no Tribunal Supremo quer no Conselho Superior da Magistratura Judicial, levantarão sempre suspeições".
O jurista também questiona a PGR que, segundo diz, não tem desempenhado bem o seu papel em relação à proteção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Quixinaxo dá o exemplo de Eugénio Quintas, conhecido por Man Gena, que denunciou o tráfico de drogas em Angola e viu a sua vida correr risco.
"Quer o Estado angolano quer o Moçambicano, a luz do dia violam quer as leis internas como as internacionais. O cidadão quando vai ao Estado pedir asilo, há duas opções: ou o Estado lhe concede asilo ou permite que ele possa se deslocar a um outro Estado onde poderá sentir-se seguro", afirma.
Processo contra Isabel dos Santos
O jurista também nota que a justiça angolana não tem sido imparcial em relação à Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos. Ela é acusada de 12 crimes, entre eles peculato, burla qualificada, abuso de poder e abuso de confiança - todos relativos à sua gestão na Sonangol no período entre julho de 2016 e novembro de 2017.
A PGR já avançou que um processo contra a empresária seguirá para o tribunal dentro de dias – um caso que se arrasta desde 2018.
Mas, para Quixinaxo, "há uma certa tendência de se atacar todos aqueles que estiveram com o ex-Presidente José Eduardo dos Santos".
Entretanto, o jurista angolano acredita que "a prática do próprio processo em si vai depois poder determinar se o processo de Isabel dos Santos foi conduzido nos marcos da lei ou teve alguma influência política".
"Falta de independência nos tribunais"
Para o ativista Inocêncio de Brito, a luta contra a corrupção em Angola tem revelado que, na prática, não há separação de poderes no país.
"Ficou demostrado, efetivamente que temos hoje um combate seletivo em relação à corrupção, e isso remete-nos para a falta de independência dos tribunais e do sistema de justiça como um todo", avalia.
Por estes e outros motivos, diz Inocêncio de Brito, "hoje é claramente notável que os cidadãos não confiam no sistema de justiça".
E o que deve ser feito para se alterar este quadro? O ativista angolano deixa uma sugestão: "Para podermos alterar este quadro, é preciso que olhemos para aquelas que são as consequências nocivas destas decisões ou da falta de independência do sistema de justiça".