Angola: Tensão em Luanda um dia depois das eleições
25 de agosto de 2022Vídeos de distúrbios em Luanda circulam nas redes sociais.
No Twitter, a empresária Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, avançou que uma das manifestações tem a ver com os resultados provisórios divulgados pela CNE.
O que sabemos sobre os protestos de hoje?
A DW África apurou com testemunhas que o referido vídeo mostra um protesto de delegados da Aliança Patriótica Nacional (APN), que estariam a contestar o pagamento dos serviços prestados nas eleições. Segundo o ativista angolano Cláudio Silva, a manifestação foi "algo espontâneo".
A polícia também confirmou que o protesto registado esta manhã no centro de Luanda está relacionado com a cobrança de pagamentos prometidos pela APN.
A situação levou à intervenção policial, com o porta-voz Orlando Bernardo a apelar aos partidos políticos que "têm esses pendentes" que tenham uma atitude responsável e tratem de resolver o problema com os cidadãos, apontando nomeadamente a APN e a Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA).
Se os "vândalos persistirem nessa atitude cair-vos-á a mão pesada da polícia nacional", avisou.
Orlando Bernardo assegurou que o país "está calmo, está tranquilo", pelo que não há preocupações de segurança pública, embora as forças mantenham o estado de prontidão.
Além do protesto de delegados da APN, vários distúrbios foram registados nos mercados de Luanda. No Facebook, circula outro vídeo que mostra manifestantes no Mercado de São Paulo.
Situação parecida também foi registada no Mercado dos 30 – o maior da capital angolana. Em declarações à agência de notícias Lusa, António Domingos, administrador do mercado, disse que os responsáveis pelos distúrbios eram apoiantes da UNITA insatisfeitos com os resultados provisórios.
"Os da UNITA vieram cá armar confusão e tivemos de chamar a polícia", disse o Domingos à Lusa.
Cerca de 30 elementos da Polícia de Intervenção Rápida (PIR) foram chamados para dispersar as multidões.
Entretanto, Agostinho Kamuango, secretário-geral da juventude da UNITA (JURA), desvalorizou as acusações e, em declarações à DW em Luanda, disse que "esta é a forma que o regime usa para confundir a opinião pública nacional e internacional".
"Na verdade, os tumultos que se verificam tem a ver com o descontentamento da juventude, que apostou na mudança e o que a CNE vem transmitindo como resultado não corresponde a esta realidade", afirmou Kamuango.
Há possibilidade de mais protestos em Angola?
Há um clima de tensão em Luanda. Ainda na noite de quarta-feira, após a votação, muitos eleitores foram às assembleias de voto fazer pressão para a divulgação das atas síntese, apurou a DW.
Após a divulgação dos primeiros resultados provisórios pela CNE, angolanos reagiram: "Isso não é democracia", disse um eleitor ao enviado especial da DW à capital angolana.
O ativista político e candidato independente a deputado pela lista da UNITA, Pedrowski Teka, disse por telefone à DW que "o povo angolano não vai aceitar" os resultados divulgados até agora pela CNE.
De acordo com o ativista, a sociedade civil marcou uma manifestação para às 10h de sábado (27.08), em Luanda, para "exigir a verdade eleitoral".
Mais cedo, Pedrowski Teka conversou com o enviado especial da DW à capital angolana:
Também na quarta-feira, em Lisboa, a polícia interviu em frente ao Consulado Geral de Angola devido a um protesto de eleitores contra a não publicação das atas de votação, após o encerramento das urnas. Alguns terão sido detidos.
Quais os resultados provisórios oficiais até ao momento?
O MPLA venceu as eleições gerais de Angola com 51,07%, seguido da UNITA com 44,05% dos votos, divulgou a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) de Angola, na noite desta quinta-feira (25.08).
Os resultados provisórios foram divulgados pelo porta-voz da comissão, Lucas Quilundo, numa altura em estavam escrutinadas 97,3% das mesas de voto, pelo que não deverá haver alterações substanciais, adiantou.
O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) elege 124 deputados e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) fica com 90 assentos parlamentares.
A histórica Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), o Partido de Renovação Social e o estreante Partido Humanista de Angola, único liderado por uma mulher (Bela Malaquias) elegem dois deputados cada um e a coligação CASA-CE deixa de ter representação parlamentar.
O que diz a contagem paralela?
Uma contagem paralela dos resultados feita pelo Movimento Cívico Mudei dá vantagem à UNITA, liderada por Adalberto Costa Júnior, com 55%, seguindo-se o MPLA com 41%, num total de 94.740 votos válidos de 11 províncias escrutinadas.
Segundo o Mudei, o Partido Humanista totaliza 898 votos válidos e a FNLA 827 votos, a CASA-CE soma 696 votos válidos, o PRS 600 votos, a APN) tem 394 votos válidos e o Partido Nacional para a Justiça em Angola (P-Njango) com 362 votos válidos.
Os resultados divulgados em tempo real disponibilizados no site da organização, fruto das atas síntese afixadas nas assembleias de voto, referem que do total de 95.900 votos contabilizados, 609 foram votos em branco e 551 nulos.
Qual é a polémica em torno dos resultados divulgados pela CNE?
A UNITA realizou uma conferência de imprensa na tarde desta quinta-feira (25.08), na qual apresentou os resultados da contagem que realizou com base nas atas síntese. Segundo estes dados provisórios, com 39,8% das atas contadas, o maior partido da oposição tem 46,89% dos votos, contra 47,99% do MPLA. Uma diferença que a UNITA prevê superar à medida que os dados da província de Luanda, a maior do país, forem inseridos no seu sistema.
O partido reivindicou vitória em pelo menos três províncias (Luanda, Zaire e Cabinda) e sustentou que os dados provisórios indicam que a oposição tem votações elevadas em praças-fortes do MPLA, como Sumbe, Menongue ou Moxico.
Já ontem, o número dois das listas da UNITA, Abel Chivukuvuku, afirmou que os dados provisórios recolhidos das eleições apontam para uma vitória do partido.
Numa reação à contestação da UNITA aos resultados provisórios, o MPLA defendeu hoje que se deve esperar "serenamente" os resultados definitivos das eleições de quarta-feira (24.08). "Devemos todos esperar os resultados definitivos da CNE e a litigância ou o litígio faz-se nos tribunais", disse à Lusa João Pinto, vice-presidente da bancada parlamentar do partido no poder.
"Num Estado de Direito democrático, as instituições que divulgam os resultados eleitorais são as instituições constitucionalmente competentes", que no caso de Angola é a CNE, "constituída por cidadãos idóneos", quase metade dos quais indicados pela oposição, e "dirigida por um magistrado que suspende a sua função", sublinhou o deputado do MPLA.
Por seu turno, a CASA-CE anunciou hoje que não aceita os resultados eleitorais publicados pela CNE. Em conferência de imprensa, a vice-presidente Cesinanda Xavier exigiu à CNE a divulgação das atas das assembleias de voto. "Estamos convictos e conscientes de que fizemos um trabalho que não condiz com os resultados publicados pela CNE", reagiu Xavier.
A CASA-CE, sexto na lista dos mais votados divulgada pela CNE, desceu três lugares, conquistando apenas com 0,73%, dos votos. "Contestámos estes resultados porque faltou neles a verdade eleitoral", justificou Cesinanda Xavier.
"Estas eleições foram livres, mas não foram transparentes", sublinhou a a vice-presidente da coligação, acrescentando que "foi o processo mais vergonhoso que nós tivemos em termos de divulgação e verdade eleitorais".
O que diz a comunidade internacional sobre as eleições?
A ex-eurodeputada portuguesa Ana Gomes considera que a falta de observadores fora de Luanda facilita a manipulação. "Umas eleições não se decidem apenas e não se avaliam apenas pela forma como se passou o dia da votação. Tudo o que está para trás é muito importante", disse a antiga embaixadora ao canal SIC Notícias.
"Para além do dia da votação, fundamental é o processo de contagem, que começou", sublinha ainda Ana Gomes. "Estando de acordo que, de facto, o resto do país não é Luanda, mas a verdade é que também no resto do país como não há observação, também é mais fácil a manipulação", conclui.
Os Estados Unidos, no entanto, saudaram o povo angolano "pela sua participação no processo democrático” e “os esforços para reforçar as instituições democráticas".
Numa conferência de imprensa o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Vedant Patel, afirmou que "os Estados Unidos e Angola partilham uma forte parceria" e que Washington vai continuar “a trabalhar em conjunto com o Governo escolhido pelo povo angolano”.