Cabo Delgado: "Algumas grávidas dão à luz nos barcos"
21 de outubro de 2020Armindo Ngunga, Secretário de Estado na província de Cabo Delgado, reconheceu em conversa com os jornalistas esta terça-feira (20.10) que houve nos últimos meses uma intensificação dos ataques terroristas.
"Aquilo parecia ser uma ação que eventualmente poderia ser ultrapassada em pouco tempo. Por isso é que nós, nessa altura, chamamos esses sujeitos de malfeitores. [Eles] têm estado a crescer em termos de atuação, o que nos preocupa. Sobretudo o requinte com que realizam as suas ações macabras”, esclareceu.
O Secretário de Estado adiantou que a partir de março deste ano “o assunto piorou porque eles começaram a atacar não só os postos administrativos e localidades, mas também algumas sedes dos distritos nas regiões centro e norte da província."
As Forças de Defesa e Segurança (FDS) posicionadas na região intensificaram as suas operações visando devolver o sossego às populações, porém, segundo o governante, isto não impede que as populações se movimentem para as zonas consideradas mais seguras, como os distritos da zona sul.
Nova vaga de deslocados
“Por causa do recrudescer das ações dos terroristas na costa dos distritos de Quissanga e Macomia e provavelmente também em Mocímboa da Praia temos estado a assistir a um movimento de pessoas que se fazem à cidade de Pemba.”
A vaga de deslocados aumentou desde a última sexta-feira (16.10), quando mais de 15 embarcações superlotadas atracaram na praia de Paquitequete, em Pemba, trazendo centenas de pessoas, entre quais crianças, mulheres grávidas e doentes.
O número de deslocados cresceu nos dias subsequentes. Esta segunda-feira (19.10) atracaram em Pemba 21 embarcações que transportavam mais de mil pessoas.
Um dos deslocados, que falou sob anonimato, disse que saiu de Mucojo, distrito de Macomia, há cerca de uma semana. Está agora em Pemba com a esposa e os quatro filhos sem ter o que comer.
"Aqui em Pemba não tenho sítio para viver. Estamos a sofrer muito porque não temos comida. Desde a semana passada ainda não comemos nada. Até porque estou a sofrer com os meus filhos", queixa-se.
Partos sem condições
Pelo menos duas mulheres grávidas deram à luz em embarcações durante a fuga para Pemba.
"Algumas grávidas dão parto nos barcos e depois trazem-nas para aqui com os seus bebés. Não têm onde embrulhar, já que fugiram da guerra e só saíram com aquela capulana que elas puseram no corpo, por isso muitas das vezes transportam os bebés em bacias”, relata a parteira que recebeu e prestou os primeiros cuidados a uma das parturientes no centro de Saúde de Paquitequete.
“Outros bebés chegam saudáveis, mas anteontem tivemos um caso de uma senhora que deu parto no barco a um nado-morto. Trouxeram para aqui e ficámos sem saber para onde encaminhar a família. Pessoas de boa vontade vieram aqui e pegaram no corpo e foram realizar o enterro", descreve.
Para prestar os primeiros socorros aos deslocados, muitos deles debilitados, as autoridades anunciaram que destacaram uma equipa médica para o local de desembarque. A cidade de Pemba é o principal ponto de entrada dessas famílias, acolhendo atualmente mais de 90 mil pessoas.
Realocação de deslocados
Na estratégia de gestão dos deslocados, o Governo tem estado a alocar algumas dessas famílias noutros distritos como Ancuabe, Metuge, Montepuez e Chiure.
O secretário de Estado na província de Cabo Delgado diz que o Governo está preocupado com a gestão dos deslocados, “procurando terrenos nos distritos para que as pessoas não fiquem ao relento, incluindo doentes, como tem acontecido.”
“Nós queremos que as pessoas reconstruam as suas vidas e também façam alguma produção agrícola para que nos próximos tempos não continuem a depender de donativos", avança.
Estima-se que a violência no centro e norte de Cabo Delgado já fez mais de 250 mil deslocados internos.