Cabo Delgado em crise humanitária e a precisar de ajuda
23 de outubro de 2020Estima-se que, desde sábado (17.10), chegam à cidade de Pemba, província de Cabo Delgado, cerca de 1000 deslocados internos por dia, em resultado dos ataques dos insurgentes.
Há cerca de três anos que a província do norte de Moçambique é atacada por terroristas não devidamente identificados, ações que terão feito mais de mil mortos.
As dificuldades para dar assistência a esta nova vaga de deslocados que chegam via marítima são grandes, revela o bispo de Pemba. Luiz Fernando Lisboa fala numa crise humanitária profunda e apela à solidariedade e à ajuda humanitária.
DW África: Em que condições chegam os deslocados a Pemba?
Dom Luiz Fernando Lisboa (LFL): Os deslocados que têm chegado nesses últimos cinco dias chegam em situações muito difíceis. A a maioria deles chega desidratada, alguns vêm doentes, passando mal. Tivemos uma senhora que deu parto dentro do próprio barco [em que se fazia transportar]. Chegam numa situação difícil, assustados e também com poucos pertences. Aqueles que conseguem, que saíram preventivamente antes que chegassem os insurgentes, juntaram aquilo que tinham (fogão, roupas, capulanas) e trouxeram. Mas uma boa parte deles chega sem nada, porque saíram à pressa sem conseguir juntar os seus poucos pertences. Muita gente não tem documentos, chegam quase sem nada. Essa é a situação.
DW África: Estão a receber o apoio necessário?
LFL: Sim, estão a receber apoio. Há pessoas do bairro, o secretário do bairro e algumas organizações, alguns voluntários. Estão a receber um certo apoio, mas não o necessário, porque apanhou-nos de extrema surpresa. Nós estavámos a atender aqueles 12 mil deslocados que chegaram a Metuge, onde foram formados dois novos acampamentos. E agora que conseguimos organizar as listas estamos a atender as pessoas com alimentação, com tendas, esteiras e outros recursos. Então, apanhou-nos de surpresa. Eles ainda não estão a receber o apoio necessário que precisariam. Têm recebido lanche, chá quente, mas não comida verdadeira, sólida, que, de facto, alimenta. Alguns estão a ser encaminhados para famílias e outros o Governo está a ver o que vai fazer com eles.
DW África: A equipa que presta apoio psicológico aos deslocados está envolvida no apoio às pessoas que chegam nesta nova vaga?
LFL: A equipa que presta apoio psicológico foi treinada por duas psicólogas nossas, duas irmãs psicólogas. Já foram treinados quatro grupos e, nesses dois dias, está a ser treinado um quinto grupo. Então, esse grupo está a atender os acampamentos onde já estão aqueles deslocados há cerca de dois meses. Essa equipa ainda não veio para esse pessoal da praia, porque não é o caso de dar esse apoio agora. Primeiro eles têm que abrir ficha, têm de ser acolhidos, receber uma alimentação, para depois começar esse trabalho. Esse trabalho não é feito imediatamente quando se chega, há outras coisas que têm de ser feitas antes disso. Mas a equipa está pronta para depois dar esse apoio. Estamos a fazer esse trabalho em Metuge, mas a ideia é começar esse trabalho nos bairros em Pemba, porque há muitas e muitas famílias.
DW África: Caso continue a chegar uma avalanche de deslocados, o que prevê para a cidade e em termos de assistência humanitária?
LFL: Caso continue a chegar essa avalanche de refugiados, Pemba já está superlotada. O que prevemos é uma cidade completamente inundada de gente sem ter as condições de resposta sanitárias e físicas, dos serviços gerais. Não vou dizer que a população em Pemba dobrou, mas diz-se por aqui que há mais de 80 mil deslocados em Pemba. Então, imagine uma cidade pequena, que não estava preparada para isso. Quanto mais gente chega, mais vai piorando a situação. Em termos de assistência humanitária, fica muito difícil, porque essas pessoas vão entrando nas famílias, todas aquelas famílias que já estavam cadastradas. É um trabalho que tem de ser continuamente recomeçado, corrigido. É um trabalho muito forte para as organizações humanitárias e para o próprio Governo.
DW África: Em Maputo, as ondas de solidariedade para com os deslocados crescem. Qual tem sido o peso destas iniciativas?
LFL: É verdade que tem crescido o apoio e a solidariedade de muitas pessoas da sociedade, tanto pessoas individuais como coletivas - organizações, empresários, muita gente tem essa vontade de ajudar. É uma pena que não haja uma concentração de forças. Muitas ajudas ficam dispersas. Por exemplo, um grupo ajuda com 100 pães, um ajuda com 200 e outro com 300... Se juntássemos tudo isso, poderia fazer comida, arroz ou feijão e xima. Então, falta ainda [coordenação], o que é compreensível porque mais pessoas entram para ajudar, mais pequenas organizações estão prontas para ajudar.
Toda a ajuda é válida, é importante dizer isso, há muita gente se solidarizando, há muito mais abertura. O povo de Cabo Delgado, em primeiro lugar, está de parabéns pela acolhida que tem dado, pela solidariedade. Ninguém está a olhar, mas todo o mundo está a repartir. E têm vindo de fora de Pemba, de fora da província e até de fora do país muitas ajudas, pequenas, mas que vão se somando a outras que vamos conseguindo e vamos dando resposta a essa situação. Então, aproveito para agradecer a todas as pessoas que têm se preocupado com a nossa situação. Estamos verdadeiramente numa crise profunda humanitária e precisamos de solidariedade. Então, quero convidar as pessoas de boa vontade: juntem-se grupos de amigos, empresários, entrem em contacto connosco. Nós precisamos de apoio, precisamos de ajuda. É muita gente para ser atendida e que precisa de tudo, mas neste momento estamos a cuidar das necessidades mais básicas, que é alimentação e um lugar para ficar. E nem isso que é o essencial nós temos conseguido para todos. Então, precisamos ainda aprofundar a solidariedade e a ajuda humanitária para que possamos dar essa resposta. Muito obrigado.