"Regresso da Total vai implicar compartilhamento dos custos"
19 de fevereiro de 2024Numa mensagem destinada aos cidadãos franceses, a embaixada de França em Maputo disse, na última semana, que "devido à presença de uma ameaça terrorista e de raptos nas cidades de Mocímboa da Praia, Pemba e Palma, é fortemente recomendado não viajar para estas cidades, bem como viajar nas estradas que ligam estas localidades".
Mais do que evidenciar o agravamento do terrorismo na província de Cabo Delgado, para o politólogo Ricardo Raboco o apelo sinaliza uma bandeira vermelha para Moçambique.
"Essa mensagem deita abaixo todas as expetativas em torno do regresso da Total de começar a trabalhar em pleno", considera, referindo-se à exploração de gás no norte de Moçambique.
Regresso da Total implicará custos para Maputo
Além disso, segundo o analista, o alerta francês vem também confirmar o que alguns já previam: "O regresso da Total vai implicar o compartilhamento dos custos operacionais e isso vai implicar um adeus em torno das expetativas das mais valias, em torno das promessas desses projetos. O Estado moçambicano terá de comparticipar em matéria de segurança".
Uma saia justa indesejável para Maputo, já que Moçambique não estaria em condições de responder à exigência, à partida, sem recorrer a qualquer tipo de endividamento.
A mais recente posição de Paris, entretanto, choca com a intenção anunciada também este mês pela TotalEnergies, numa altura em que se agrava a insurgência, de um possível regresso da multinacional até ao final deste ano.
Um facto que faz o especialista em paz e conflito Calton Cadeado perceber uma postura estratégica dúbia da Total: "Os franceses ainda não estão interessados em fazer uma retoma agora. Para mim a tese, com toda a razão que têm, é roi e sopra. Para mim nada me tira da cabeça que o foco são as eleiçoes", afirma.
Nyusi desagradado com Paris
Quem parece não estar a apreciar muito as recomendações de Paris é o Presidente de Moçambique.
À margem da cimeira da União Africana, Filipe Nyusi afirmou que "cada país tem uma agenda e a agenda é alinhada e integrada. Deve haver um motivo qualquer por que foi feito um comunicado da Embaixada".
O chefe de Estado lembrou ainda que a declaração surge quando o país está "a trabalhar arduamente para provar ao mundo que está empenhado com os seus parceiros na luta contra o terrorismo".
Trabalhos suspensos?
Perante os últimos desenvolvimentos, o analista alemão Andre Thomashausen acredita que a política de "carrot and stick" (na tradução literal, cenoura e vara) da Total poderá cingir-se apenas à fase do "stick".
O analista acredita que "haverá de novo uma reviravolta, uma reconsideração da parte da TotalEnergies, se poderão continuar com a preparação de uma exploração de gás ou se deverão novamente suspender os trabalhos devido à insurgência".
Na visão de Thomashausen, a solução será simples: "Basta que haja uma nova aproximação para tentar resolver essa crise".
A presença das forças ruandesas em Cabo Delgado é promovida pela França, mas, nos últimos tempos, é vista como intencionalmente menos ativa, facto que facilita o novo vigor insurgente verificado nas últimas semanas.
A situação está a ter um efeito dissuasor não só no campo económico, mas também no campo social, com o aumento de deslocados, fuga de pessoas e crise no campo da ajuda humanitária.