Cabo Delgado: Saída da SAMIM "favorece" os terroristas
25 de março de 2024A missão militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) vai deixar Moçambique até julho devido a limitações financeiras, anunciou no sábado (23.03) a ministra dos Negócios Estrangeiros, Verónica Macamo. Como ficará a luta contra o terrorismo em Cabo Delgado com esta saída?
O analista Calton Cadeado entende que haverá menos uma força de ameaça para os terroristas em Cabo Delgado, que conhecem as fragilidades do Estado moçambicano e veem nesta retirada da missão da SAMIM "uma oportunidade" para mostrar que têm "campo aberto" para as suas ações terroristas.
Em entrevista à DW, o especialista diz que, perante o atual cenário, ainda esperava que a missão fosse renovada.
DW África: A notícia da saída da SAMIM, até julho, surpreende-o? Esperava que a missão fosse prolongada?
Calton Cadeado (CC): Já se sabia desde o início que essa missão não ficaria eternamente. Só não tínhamos a confirmação de que seria tão cedo. Muitas pessoas esperavam que a missão fosse renovada, tal como nos outros anos.
DW África: E sobretudo agora, com o recrudescimento do terrorismo? Os terroristas estão a usar novas táticas e há também uma nova liderança dos terroristas em Cabo Delgado, como o próprio Governo moçambicano já admitiu.
CC: Há, pelo menos, duas interpretações. Há quem entenda que não há um recrudescimento do terrorismo; o que está acontecer resultaria da perseguição aos terroristas, que, como estratégia de fuga, estariam a criar pânico para poderem sobreviver. A outra interpretação é que há, de facto, um recrudescimento, tanto é que os terroristas estão a ocupar algumas vilas, como aconteceu em Quissanga. Mas há uma terceira interpretação, segundo a qual este recrudescimento da violência, ou não, só estaria a acontecer porque já se percebe a diminuição da presença das forças da SAMIM no terreno.
DW África: Como acha que os insurgentes podem interpretar esta retirada da SAMIM de Cabo Delgado?
CC: À partida, é uma oportunidade para eles fazerem as ações de terrorismo e mostrarem que têm campo aberto para o poderem fazer, sobretudo quando se sabe que as Forças Armadas de Defesa de Moçambique não têm a capacidade desejada para poder combater este grupo ou grupos terroristas, cuja dimensão ainda não conhecemos.
Outra dimensão é que, para os terroristas, a saída da força da SAMIM significa a retirada de qualquer tipo de força capaz de os combater. Será menos uma ameaça para o grupo terrorista.
DW África: Portanto, mesmo que o Presidente Filipe Nyusi diga que não é o fim do combate ao terrorismo, esta é uma luta que, de certa forma, poderá ser enfraquecida?
CC: Neste momento, há esse sinal. Pois, olhando para a luta e para os apoios que Moçambique recebeu, até agora não há sinais claros de que o país será assistido em matéria de combate ofensivo, isto é, com equipamento militar letal. O que Moçambique tem recebido muito, em termos de cooperação internacional, tem a ver com a partilha de inteligência e treinamento para ações combativas. Mas, por exemplo, não há suficiente material de combate ofensivo letal, drones mais sofisticados ou os recursos financeiros necessários para motivar e dar ração de combate às Forças Armadas. Também não há um hospital de campanha para este tipo de situações, o Estado não tem dinheiro para isso, nem tem dinheiro para tecnologia avançada. Tudo isto favorece os terroristas, que conhecem as fragilidades do Estado moçambicano.
DW África: O Presidente moçambicano apelou à união e à concentração de todos no combate ao terrorismo. Disse ainda que os países da região se mostraram abertos para uma cooperação bilateral, caso se justifique. Como é que se poderia reforçar essa cooperação?
CC: O combate ao terrorismo tem várias dimensões. Uma delas é a presença militar efetiva, para ações combativas ou dissuasivas. É o que está a acontecer agora, e isso envolve dinheiro. Mas há uma outra dimensão de cooperação no combate ao terrorismo, através da partilha de informações de inteligência. E pode haver cooperação nas fronteiras, sobretudo com países que fazem fronteira com Moçambique mais a norte – com a Tanzânia, o Malawi e a Zâmbia – apertando os controlos fronteiriços. Além disso, é necessário olhar para o lado do mar: para Comores ou para a zona de Zanzibar, por exemplo, que interessa fortificar para impedir a entrada facilitada de pessoas com intenções maléficas terroristas.