1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Caos em Moçambique precisa ou não de mediação internacional?

João Carlos
2 de janeiro de 2025

No meio de disputas para se encetar diálogo com vista à normalização em Moçambique, analistas consideram imprescindível a mediação internacional da crise pós-eleitoral, com a ajuda da diplomacia portuguesa.

https://p.dw.com/p/4olZu
 Moçambique - protestos em Maputo
Comunidade internacional deve ajudar a encontrar uma solução para a crise pós-eleitoral em Moçambique, segundo analistasFoto: ALFREDO ZUNIGA/AFP

A ex-eurodeputada Ana Gomes defende que a Comunidade de Santo Egídio, as Nações Unidas ou o Centro de Mediação Internacional podem ajudar a encontrar uma solução para a crise política em Moçambique. A política portuguesa é de opinião que, ao invés de se apressar no reconhecimento da vitória de Daniel Chapo e da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), a União Europeia (UE) deveria enviar uma missão de mediação da crise pós-eleitoral composta por peritos internacionais conhecedores da realidade moçambicana.

Além de representantes da UE, a ex-eurodeputada sugere peritos de outras instituições ou organizações internacionais para a busca de uma solução, como, por exemplo, a Comunidade de Santo Egídio, "que teve um papel muito importante justamente na negociação da paz em Moçambique”. 

Para Ana Gomes, a solução "tem, obviamente, que passar pelo reconhecimento de que as eleições foram fraudulentas”, considerando que deve-se fazer tudo para que este seja um processo eleitoral transparente.

"Se o processo negocial se destinar, no fundo, a respaldar o poder que está em Moçambique, é evidente que não vamos ao lado nenhum”, afirma, em entrevista à DW. "Porque não é possível, depois de tantas mortes e de tanto sofrimento imposto ao povo pela FRELIMO, considerar que ela pode continuar no poder sem haver uma mudança estrutural”, argumenta a analista.

Críticas a Portugal

A situação em Moçambique é de desespero, reconhece a ex-eurodeputada socialista, que considera que, apesar de ser difícil hoje iniciar esse processo negocial, este passo "é indispensável para trazer alguma calma e alguma governação a Moçambique”.

Ana Gomes diz, entretanto, que "a União Europeia não soube ler a situação” em Moçambique e critica Portugal que – por complexos coloniais e visão neocolonialista –, "demitiu-se completamente” das suas responsabilidades. Para Gomes, Portugal poderia ter uma posição mais clara, ajudando inclusive os demais parceiros europeus a entenderem melhor a atual conjuntura moçambicana.

"Portugal, há muito tempo que se deixou estar imbuído por uma versão neocolonial e por complexos coloniais. E, portanto, foi cúmplice e conivente da consolidação deste poder absolutamente mafioso, ligado ao narcotráfico, em que assenta o poder da Frelimo em Moçambique ao fim destes 50 anos de independência” – afirma em tom crítico.

Portugal - ex eudodeputada portuguesa Ana Gomes
Por ter tomado partido, Ana Gomes diz que Portugal "não está numa boa posição para ser visto como um ator” no processo negocialFoto: picture-alliance/dpa/M. Kulczynski

E, pelo facto de ter tomado partido a favor da FRELIMO, Ana Gomes afirma que Portugal "não está numa boa posição para ser visto como um ator” no processo negocial sobre a situação naquele país da África Austral. Entretanto, reconsidera, admitindo que Portugal é um interveniente que "não pode ficar de fora” do processo negocial pela ligação histórica que tem com Moçambique.

Envolver Venâncio Mondlane

De recordar que o candidato presidencial Venâncio Mondlane, contestatário dos resultados das eleições de 9 de outubro, fez duras críticas ao Governo português pela rapidez com que reconheceu a proclamação da FRELIMO e do seu candidato Daniel Chapo como vencedores daquelas eleições, logo após o pronunciamento do Conselho Constitucional, contestado de imediato nas ruas.

O investigador Fernando Jorge Cardoso, especialista em Assuntos Africanos da Universidade Autónoma de Lisboa, distingue "a diferença subtil” entre o posicionamento tomado pelo Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, e o posicionamento do Governo português, expresso pelo primeiro-ministro Luís Montenegro, relativamente ao anúncio dos resultados das eleições em Moçambique.

Mas, para o analista, são mais relevantes as movimentações do Presidente Filipe Nyusi para negociações envolvendo os partidos políticos que não aceitam os resultados eleitorais por considerarem que as eleições foram fraudulentas. Fernando Jorge Cardoso sustenta que é necessário envolver Venâncio Mondlane no processo de diálogo para a pacificação e resolução do conflito pós-eleitoral.

"Não basta envolver no diálogo os partidos que concorreram às eleições e que recolheram votos num processo que eles próprios consideram fraudulento”, adverte. "É absolutamente fundamental envolver também o candidato considerado perdedor nas eleições presidenciais, Venâncio Mondlane, que tem uma capacidade de mobilização popular que está mais que demonstrada”, sugere o investigador.

O papel da diplomacia

Por outro lado, o académico lembra as recentes declarações de Venâncio Mondlane, que disse, numa entrevista a uma estação televisiva portuguesa, estar "absolutamente disponível” para participar num processo de reconciliação através de uma mediação internacional, tendo referido o Vaticano, a União Europeia e países como Portugal, Estados Unidos e África do Sul. Esta posição é oposta ao pronunciamento do Presidente Filipe Nyusi, que prefere uma solução interna do conflito. 

Portugal | Fernando Jorge Cardoso, especialista em assuntos africanos
O académico Fernando Jorge Cardoso sustenta que é necessário envolver Venâncio Mondlane no processo de diálogo para a pacificação e resolução do conflito pós-eleitoralFoto: Privat

Entretanto, Fernando Jorge Cardoso aplaude "uma concertação de posições para o diálogo”, dentro dos próximos 15 dias, mas apoiadas pela comunidade internacional com o contributo da diplomacia portuguesa, para se "evitar o arrastamento desta situação, que poderá levar ao derramamento de sangue”.

O académico diz que Portugal, Estados Unidos, África do Sul, Vaticano e União Europeia têm, perfeitamente, capacidade para persuadir o Governo moçambicano e igual capacidade de influência junto a Venâncio Mondlane para que se encontre uma solução que possa ser aceitável para todas as partes. Isto, acrescenta, "sem que ninguém tenha que, como se costuma dizer, perder a face do ponto de vista político.”

Tal démarche deve acontecer imediatamente antes da tomada de posse prevista para o dia 15 deste mês, como aconselha Fernando Jorge Cardoso. Segundo o investigador, se assim não for, arrisca-se no atual ambiente de crispação política e social, "a que haja um crescendo de sentimentos e ações de natureza violenta”.

O analista reforça que o diálogo é urgente e "absolutamente desejável”, admitindo que, neste xadrez de crise política prolongada, "ninguém deve agir sozinho” no plano internacional. Na perspetiva do académico, os atores da comunidade internacional, parceiros de Moçambique, "podem se pôr de acordo por via diplomática” e articular esforços conjuntos para a "normalização da situação” no país.

Moçambique: Crise política e o olhar do ocidente