Caso Ivo São Vicente: “A prisão deve ser a última ratio”
18 de janeiro de 2021O filho do empresário luso-angolano Carlos São Vicente, Ivo São Vicente, foi constituído arguido, avançou Irene Neto, filha do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto, e esposa do empresário Carlos São Vicente, em entrevista à agência de notícias Lusa no último fim de semana.
No entanto, Ivo São Vicente, que vive em Portugal, recusa-se a apresentar-se à justiça "a não ser que o vão buscar", conforme adiantou Irene Neto.
A DW África analisou o caso em conversa com o jurista angolano, Zola Bambi, que se tem destacado na defesa dos direitos humanos.
DW África: Existem instrumentos legais ou medidas que podem facilitar o cumprimento da ordem judicial contra o Ivo São Vicente?
Zola Bambi (ZB): Existem sim instrumentos. É certo que ele se encontra fora do território onde se está a levar a cabo o processo, mas o que está em causa é a sua implicação no processo. Não está em causa a sua condição ou nacionalidade. Portanto, existem sim instrumentos desde que a justiça esteja interessada em que responda. Neste contexto, como arguido, cabe neste momento ao Ministério Público, na fase em que está o processo, fazer o que podíamos chamar o uso das cartas rogatórias para a justiça portuguesa assim proceder para que o senhor Ivo [São Vicente] possa responder.
DW África: Há em Portugal várias vozes que dizem que, sendo Carlos São Vicente cidadão português, a prisão em Angola é ilegal e que viola direitos fundamentais desse cidadão. O que é que se pode dizer sobre isso, tendo Zola Bambi lidado também com questões de direitos humanos?
ZB: Realmente a prisão sempre foi a última ratio. Nós defendemos isso a não ser que haja motivos em que o arguido põe em causa o bom andamento do processo da justiça como é o caso da fuga, sendo que não podemos considerar essa porque já se encontrava em Portugal. Mas não pelo facto de ele ser português é que não podia se detido. Quando se comete um crime não é a nacionalidade que se põe em causa, mas sim a conduta da pessoa. Se há razões fundadas para a prisão então as vozes que discordam não terão, como tal, grande repercussão.
Mas também há uma questão que pode ser preocupante para aqueles em Portugal que nós podemos até, de certo modo, considerar legítima é que em Angola se faz muito o abuso da prisão como medida e tem-se usado a prisão com meio de coagir ou de pressão. E nem sempre foram usadas as normas ou o código forme. Usa-se sempre como regra e a prisão devia ser uma exceção seja quais forem os elementos adiantados.
DW África: Carlos São Vicente é acusado de ter lesado a Sonangol em cerca de 900 milhões de dólares. Qual poderá ter sido o papel do filho, Ivo São Vicente, no tabuleiro deste caso de corrupção?
ZB: Talvez questões colaterais que tenham a ver com o manejo desse dinheiro. O Ivo não trabalhou para a Sonangol e talvez o Ivo tenha que ser a repercussão das consequências ou a participação indireta no que foram os valores desviados da Sonangol.
DW África: Estamos a falar do neto do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto. Isso tem alguma influência sobre o processo?
ZB: Os processos em Angola, podemos falar de forma muito clara, nunca - até o momento - tiveram aquela liberdade ou independência na sua realização. Falando do neto ou da figura do Carlos São Vicente, não vai deixar de existir aquilo que podíamos chamar influência política no processo. Há certos elementos que, de uma forma ou outra, podiam talvez influenciar de forma favorável ou negativamente o andamento deste processo pela ligação que tem, tanto Carlos São Vicente como o Ivo, ao antigo Presidente ou a filha do antigo Presidente.