Caso Kalupeteka espelha "falta de liberdade religiosa"
11 de maio de 2015Os confrontos registados no centro de Angola, em meados de abril, entre a polícia e fiéis da seita religiosa "A Luz do Mundo" correspondem a uma "manifestação pura e factual da falta de liberdade religiosa" no país, diz o advogado angolano Paulo Muginga.
"Eu não creio que, com este incidente, o Governo angolano altere o quadro legislativo ou passe a ser mais flexível ou tolerante. Muito pelo contrário."
Muginga, que está a fazer mestrado em Portugal sobre a temática da liberdade religiosa em Angola, sublinha, por outro lado, que é prematuro analisar com isenção este caso, que envolveu o assassinato de nove agentes da polícia e de um número indeterminado de civis. "Ainda não há uma análise isenta, objetiva, daquilo que realmente aconteceu. O certo é que houve mortos e estão envolvidos, por um lado, órgãos da polícia e, por outro, cidadãos que, de forma muito liberal, se organizaram e estavam a praticar o culto religioso."
100 mil fiéis para ser legal
Até ao momento, por exemplo, pequenas igrejas de cariz cristão ou grupos da comunidade muçulmana não conseguem fazer o registo legal para o exercício da sua confissão, pois o Governo exige para tal o mínimo de 100 mil fiéis. Para o académico Paulo Mendes Pinto, especialista em mitologias e religiões antigas, a questão da liberdade religiosa é um desafio fundamental, que deve ser bem ponderado constitucionalmente.
"Eu acho que o grande desafio está em conseguirmos encontrar caso a caso, cultura a cultura, um equilíbrio, em que o indivíduo tenha liberdade de expressão, neste caso religiosa, mas os Estados possam, em conjunto com as religiões, cumprir as suas funções sociais. E não exatamente ao contrário: os Estados sentirem-se ameaçados pelas religiões, porque as religiões os negam", diz Mendes Pinto.
Na opinião do historiador português, o aparelho legal angolano precisa de ser atualizado no presente contexto.
"Angola está a viver aquilo que já aconteceu na Europa e nos Estados Unidos da América: o surgimento de grupos fanáticos, que, como este, decidem fazer uma leitura, com uma coerência que eu não sei qual é, que, no fundo, leva a um discurso de 'fim do mundo'. Ora, um discurso de 'fim do mundo' é obviamente contra o Estado e, acima de tudo, contra o cidadão."
O professor da Universidade Lusófona precisa que "Angola é uma nação jovem ainda em fase de reconstrução e tem de haver um trabalho de relação entre as instâncias civis e religiosas para que todos possam crescer em harmonia, sem ninguém negar ninguém".
Comissão de especialistas
Nazim Ahmad, presidente da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento, propõe que Angola crie uma Comissão que zele estritamente pelo exercício da liberdade religiosa, em articulação com o Ministério da Justiça, para o reconhecimento de grupos religiosos que queiram estabelecer-se no país.
"Pelo que percebi, a preocupação dos angolanos quanto a grupos como o Boko Haram faz com que eles adotem uma postura de prevenção", afirma Ahmad. "O que eu sugiro é que, nesses casos, tem de haver pessoas especializadas que possam analisar e falar com esses grupos religiosos, identificando se eles, genuinamente, pretendem, ou não, criar as suas bases nesse país."
Nazim Ahmad, um português nascido em Maputo, fala de Moçambique como um país onde há liberdade religiosa e reforça o exemplo com a situação em Portugal, país maioritariamente católico, onde também há liberdade e convivência entre várias religiões.
A DW África ouviu estas individualidades à margem do I Congresso Lusófono de Ciências das Religiões, que decorre em Lisboa de 9 a 13 de maio, para falar de temas como diálogo inter-religioso, tolerância e respeito pela liberdade religiosa como uma das conquistas da democracia.