Caça furtiva aumenta em Moçambique e tem mão da polícia, alerta WWF
20 de junho de 2014
A primeira lei que criminaliza a caça furtiva em Moçambique foi aprovada em abril deste ano, no entanto a tendência mantém-se preocupante.
Apenas “em dois anos, entre 2009 e 2011, Moçambique perdeu entre 2.500 a 3.000 elefantes, o que nunca antes tinha acontecido, de acordo com a informação estatística existente", alerta Anabela Rodrigues, directora do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) em Moçambique.
Os dados da organização de defesa do meio ambiente baseiam-se sobretudo "nas contagens aéreas que foram feitas na Reserva Nacional do Niassa”, que concentra a maior população de elefantes em Moçambique, concretiza a especialista.
Na segunda província com mais elefantes, em Tete, uma contagem aérea em 2013 “constatou que metade das carcaças que foram contadas tinham sido de animais mortos devido à utilização de venenos, portanto fruto da caça furtiva”, acrescenta Anabela Rodrigues.
Já antes, “em janeiro de 2011, no aeroporto de Pemba foram apreendidas 126 pontas de marfim, o que significa que 63 elefantes foram abatidos”, e o que demonstra o “aumento substancial da procura”, refere a diretora da WWF Moçambique.
Mas este está longe de ser um problema exclusivo de Moçambique. Em todo o continente africano regista-se uma tendência de crescimento da caça ilegal de elefantes e rinocerontes, sobretudo a partir do ano 2011.
O que se deve principalmente ao aumento da procura nos mercados asiáticos (com destaque para a China, Tailândia e Vietname), onde um quilo de marfim pode chegar aos dois mil dólares (mais de 1400 euros).
O envolvimento de quem devia proteger
A caça furtiva em Moçambique envolve grupos bem organizados e também aqueles que deveriam dar o exemplo, desde logo elementos das forças de defesa e segurança.
O último relatório da organização de defesa do meio ambiente “menciona que há uma arma que foi apanhada três vezes consecutivas no sul do país, junto à fronteira com a África do Sul, que pertence à polícia”, aponta a diretora Anabela Rodrigues.
Mas há outros sinais de envolvimento de forças de segurança: “há evidências também de cedência de munições e houve casos de polícias que foram apanhados”, por exemplo, foram documentadas situações de “polícias que apreenderam marfim e depois eles próprios atravessaram a fronteira para vender esse marfim”, exemplifica a diretora em Moçambique da WWF.
Anabela Rodrigues salvaguarda contudo que as forças de defesa e segurança de Moçambique não são a principal causa do problema, mas apela à punição de todos os envolvidos.
Caça de elefantes a norte e rinocerontes a sul
A caça furtiva é mais acentuada no norte de Moçambique, em particular na Reserva Nacional do Niassa, onde se concentra 80% da população de elefantes do país. Também o Parque Nacional das Quirimbas, na província de Cabo Delgado, tem sido fortemente afectado.
No sul, o alvo são sobretudo os rinocerontes. “A população de rinocerontes está praticamente extinta mas há casos de rinocerontes que atravessam a fronteira da África do Sul para o Parque Nacional do Limpopo” e que aí “têm sido alvo de abate”, descreve Anabela Rodrigues.
Além disso, a diretora da WWF observa que “há moçambicanos que atravessam a fronteira e que vão abater rinocerontes no Parque Nacional Kruger”, na África do Sul.
Valorizar o elefante
Para tentar travar o problema, a WWF Moçambique esteve reunida em seminário, na quinta-feira (19.06), em Maputo.
A organização entende que é necessário apostar mais no “trabalho de consciencialização”, ou seja, “há muito trabalho a fazer para que, na cultura nacional, o elefante seja mais valorizado, para convencer o país que a fauna, no geral, os elefantes em particular, fazem parte da nossa herança natural e são uma oportunidade económica também”, destaca Anabela Rodrigues.
A WWF considera essencial também o “reforço da capacidade de fiscalização”, desde a “melhor formação dos fiscais que já existem, aumento do número de fiscais, treinamento mais efetivo, mas sobretudo treinamento de lideranças porque não interessa aumentar o número de fiscais se estes não forem bem geridos com lideranças efectivas”, detalha a responsável da organização não-governamental.
"Fraca sensibilidade"
Uma terceira área onde é preciso trabalhar mais é ao nível de “iniciativas que possam envolver as comunidades, residentes ou junto das áreas de conservação”, sublinha Anabela Rodrigues.
É necessário transmitir a mensagem “que proteger estas comunidades terá mais vantagens do que colaborar com os furtivos que abatem estes animais – e que provavelmente dão uma receita imediata que pode ser atrativa – mas a partir do momento em que os animais desaparecem deixam de constituir uma oportunidade económica”, salienta a responsável da WWF Moçambique.
Anabela Rodrigues lamenta que em Moçambique “ainda há uma sensibilidade muito fraca por parte das lideranças políticas em entender que a fauna faz parte do capital natural e, como tal, deve fazer parte de todas as estratégias de desenvolvimento em que o país se envolva”. Por isso, alerta, é premente pôr o tema na agenda nacional e no centro do debate da sociedade civil.