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EducaçãoChina

Como a China controla os seus bolseiros na Alemanha

Esther Felden
9 de março de 2023

Os estudantes chineses no estrangeiro são obrigados a assinar contratos restritivos, prometendo "lealdade" ao seu país, mas a prática contraria a liberdade académica consagrada na Constituição alemã.

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Foto: Ute Grabowsky/photothek/picture alliance

Estudar no estrangeiro dá uma certa liberdade. É o sonho de muitos jovens em todo o mundo. No entanto, para muitos estudantes, concretizar esse sonho só é possível com a ajuda de uma bolsa financiada pelo Estado. Mas e se for precisamente essa bolsa a restringir a liberdade?

Uma investigação levada a cabo pela DW e pela plataforma alemã de jornalismo independente e sem fins lucrativos CORRECTIV mostra que estudantes chineses na Alemanha estão sujeitos a regras repressivas impostas pelo Estado chinês. Isto acontece sobretudo no caso de jovens cientistas e académicos que vão para a Alemanha com bolsas do Conselho de Bolsas de Estudo da China (CSC, na sigla original, em inglês).

Os bolseiros do CSC têm de assinar previamente um documento declarando que não participarão em quaisquer atividades que "prejudiquem" a segurança da China. O contrato da bolsa de estudo exige ainda que informem regularmente a embaixada chinesa. Qualquer pessoa que viole estas condições está sujeita a ações disciplinares.

Pelo menos 30 universidades alemãs receberam bolseiros do CSC. Algumas instituições firmaram mesmo parcerias oficiais com o conselho, que responde diretamente ao Ministério da Educação da China.

China Blanko-Vertrag des China Scholarship Council für ein Auslandsstipendium für chinesische Doktoranden
Contrato do CSC publicado pela Universidade Johns Hopkins, nos EUAFoto: DW

Criar laços de Munique a Pequim

A Universidade Ludwig Maximilian de Munique (LMU, na sigla original), por exemplo, assinou um acordo em 2005 para formar estudantes até ao nível do doutoramento. Até hoje, 492 bolseiros participaram neste programa. "O CSC tem sido um dos parceiros académicos mais importantes da LMU na China, até à data", respondeu a universidade, convidada a comentar a investigação.

Num vídeo publicado no portal oficial da LMU para marcar o 15º aniversário desta cooperação, os responsáveis da universidade celebraram o CSC como "um dos marcos das relações internacionais" e apresentaram os "mais sinceros agradecimentos".

Noutro exemplo, um total de 487 estudantes de doutoramento do CSC inscreveram-se na Universidade de Berlim (FU, na sigla original) desde 2009. A universidade diz que tem uma "parceria privilegiada" com o CSC, que a considera "uma instituição anfitriã da preferência dos bolseiros do CSC".

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Universidades "desconhecem intimidação"

Desde o início destas parcerias, poucas ou nenhumas questões foram levantadas sobre o Conselho de Bolsas de Estudo da China. "Até à data, desconhecemos quaisquer acordos feitos entre os bolseiros chineses e o Governo chinês", disse a LMU. A universidade nota igualmente que nunca recebeu relatos de tentativas de intimidação dos bolseiros chineses. "A liberdade académica e a liberdade de expressão são valores fundamentais para a LMU, que também dá o exemplo e os comunica aos estudantes internacionais", garantiu a instituição.

Em Berlim, a FU disse à DW e à CORRECTIV que não tem conhecimento de quaisquer indivíduos específicos que tenham assinado contratos do género. "No entanto", acrescentou, "é sabido que os bolseiros têm de voltar à China no fim do período da bolsa, caso contrário, têm, aparentemente, de devolver o dinheiro da mesma".

A FU também sublinhou que "defende a liberdade académica dos seus membros perante influências externas". Mas quão realista é esta garantia, especialmente no caso da China?

Thema Studierende aus China & Deutschland | 2016 Fu Berlin | Liu Yandong, Vize-Premierministerin
Em 2016, a então vice-primeira-ministra chinesa Liu Yandong encontrou-se com estudantes chineses na Universidade Livre de BerlimFoto: Rainer Jensen/dpa/picture alliance

Lealdade ao Estado acima de tudo

A CORRECTIV e a DW tiveram acesso a cópias de vários contratos do CSC de diversos anos e diversos países. O mais recente data de 2021 e refere-se a um estudante de doutoramento numa universidade alemã. O documento original em chinês, de nove páginas, foi traduzido para esta investigação. As diferenças entre os contratos são mínimas.

O compromisso central é a absoluta fidelidade ao Estado chinês. O bolseiro do CSC compromete-se a "desenvolver um sentido de responsabilidade e missão para regressar à China e servir o país" e garante que "não vai envolver-se em atividades que prejudiquem os interesses e a segurança da pátria".

Além disso, o bolseiro "deverá, de forma consciente, salvaguardar a honra da pátria e obedecer às instruções das embaixadas no estrangeiro". Isto inclui apresentar-se à embaixada ou consulado chinês mais próximo no espaço de 10 dias após a chegada à Alemanha e manter "contacto frequente".

O signatário está ainda obrigado a documentar regularmente o seu progresso académico e a fornecer relatórios à embaixada ou ao consulado, o que pode incluir obter informações sobre terceiros. O bolseiro tem de "atualizar prontamente informação pessoal ou sobre os mentores" - uma referência a professores e outro pessoal académico.

Thema Studierende aus China & Deutschland | Protest in Köln 2019 für Eingliederung Hongkongs
Em 2019, estudantes chineses em Colónia, na Alemanha, manifestaram-se pela incorporação formal de Hong Kong na China continental. Os manifestantes pró-Pequim não têm de temer as consequências do Estado chinêsFoto: Jens Krick/Flashpic/picture alliance

Contratos estendem-se às famílias

Pelo menos durante dois anos após o seu regresso, o bolseiro é obrigado a viver na China para "servir o seu país". O contrato, que também se estende a familiares e amigos, só expira após o cumprimento desta condição.

Para cada bolseiro do CSC, são nomeados com antecedência dois fiadores que ficam proibidos de sair da China por mais de três meses consecutivos durante o período da bolsa de estudo. Em caso de violação de qualquer uma das cláusulas do contrato, os fiadores também são responsabilizados.

Isto pode acontecer também se o desempenho académico do bolseiro não for adequado ou se a bolsa for interrompida prematuramente "sem justa causa". Nesses casos, além do valor da bolsa, o estudante tem de pagar uma multa. O valor de uma bolsa de estudo de quatro anos é o equivalente a 75.000 euros.

Tudo sob controlo

Mareike Ohlberg, especialista na China no centro de pesquisa norte-americano German Marshall Fund, encara o contrato do CSC como uma prova da "obsessão com controlo" do Partido Comunista Chinês.

"As pessoas são ativamente encorajadas a intervir se acontecer qualquer coisa que não seja do interesse do país", afirma.

Prejudicar os interesses da China é, de facto, considerada a pior violação possível do contrato. "Surge [no contrato] mesmo antes de um possível envolvimento em crimes, antes de homicídio", nota. "A China deixa aqui muito claras as suas prioridades".

China Peking | Foto von Xi Jinping im Museum der kommunistischen Partei Chinas
O Presidente Xi Jinping foi reeleito em outubro como líder do Partido Comunista Chinês, para um terceiro mandato. Fez da ciência uma prioridade máximaFoto: GREG BAKER/AFP/Getty Images

No entanto, aquilo que constitui uma atividade prejudicial aos interesses da China é deixado deliberadamente vago - bem como as possíveis consequências pessoais e financeiras, aparentemente visando criar um ambiente de medo. "Mesmo no estrangeiro, os chineses não são livres, devem continuar sob a vigilância do partido", diz Ohlberg.

Um jovem que assinou um contrato com o CSC falou à CORRECTIV sobre os seus receios, notando que nunca participaria num protesto na Alemanha, porque a embaixada chinesa reage "de forma muito dura" a críticas.

O jovem mencionou um pesadelo frequente, em que é levado de volta para casa e interrogado no aeroporto: "Perguntam se conheço esta ou aquela pessoa. Eu digo sempre sim, sim, mas que não sei o que fizeram". Entrevistas com outros cinco estudantes chineses, nenhum deles com contrato com o CSC, revelaram medos semelhantes.

Obedecer ao partido

Nos últimos cinco anos, segundo o secretário-geral do CSC, Sheng Jianxue, 124 mil bolseiros foram enviados para estudar no estrangeiro.

Para o sucesso do programa de bolsas de estudo estatais, "em primeiro lugar, temos de insistir em armar as nossas mentes com a ideologia socialista de estilo chinês de Xi Jinping [Presidente da China e líder do Partido Comunista]", frisou Sheng em dezembro passado.

A DW e a CORRECTIV tentaram, sem sucesso, obter esclarecimentos sobre o controverso programa de bolsas junto do CSC em Pequim, bem como da embaixada da China em Berlim.

Liberdade de pensamento "impossível"

Kai Gehring, líder do comité parlamentar alemão de Educação e Investigação, considera que os contratos do CSC "não são compatíveis" com a Lei Fundamental da Alemanha, que garante a liberdade académica.

"Lealdade obrigatória para com o sistema de partido único e sentimentos patrióticos, bem como o risco da família no caso de alegadas violações de contrato, tornam impossível o trabalho independente e conjunto de investigação, caracterizado pela curiosidade, pensamento livre e criatividade", frisa.

Deutschland Berlin | Chinesische Botschaft | Flagge
A embaixada chinesa em Berlim não respondeu às questões colocadas pela DW e pela CORRECTIVFoto: picture-alliance/dpa/W. Rothermel

Mas que instituição é responsável por agir contra estes acordos restritivos? Em resposta a questões da DW e da CORRECTIV, o Ministério Federal da Educação e Investigação diz estar consciente de "que o Conselho de Bolsas de Estudo da China exige conformidade ideológica aos seus bolseiros".

O Serviço Alemão de Intercâmbio Académico (DAAD, na sigla em alemão), que também atribui bolsas e coopera há anos com o CSC, argumenta que os contratos refletem a realidade da China, "na qual as universidades, há vários anos, têm cada vez mais de cumprir requerimentos ideológicos". No entanto, a organização alemã nota que não tem conhecimento de quaisquer cláusulas específicas nos contratos do CSC.

Garantir a liberdade académica

Na Alemanha, a Constituição protege a ciência e a academia de influências políticas. Por isso, o Ministério da Educação afirma que cabe às universidades agir nestes casos.

"Da perspetiva do Ministério, é importante que as universidades anfitriãs na Alemanha estejam conscientes das possíveis restrições a que os bolseiros do CSC possam estar sujeitos e garantam que a liberdade de expressão e científica consagrada na Constituição também possa ser livremente exercida por esse grupo de pessoas".

A LMU em Munique e a FU em Berlim garantiram que tentam fazer precisamente isso - ainda assim, professores relataram à DW e à CORRECTIV que os seus alunos chineses temem ser vigiados e denunciados.

Fontes das autoridades de segurança alemãs disseram à DW que também observaram uma "ligação forçada" de estudantes chineses ao Estado chinês, particularmente através dos bolseiros do CSC.

Desde o início de 2023, relatos de contratos problemáticos com o CSC surgiram também na Suécia, Dinamarca e Noruega. As primeiras universidades já reagiram, suspendendo a sua cooperação com o Conselho de Bolsas de Estudo da China.

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