Constituição proíbe o recurso extra-estatal a armas
30 de outubro de 2013O Presidente moçambicano, Armando Guebuza, considerou nesta quarta-feira (30.10) que "a RENAMO entrou em situação de inconstitucionalidade", por ter, alegadamente, protagonizado ataques armados. Não obstante, o Chefe de Estado mantém que está na disposição de dialogar com o líder do maior partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), Afonso Dhlakama, apesar dos atuais confrontos.
Para Armando Guebuza, no entanto, a atuação imputada aos ex-guerrilheiros fez com que deixassem "de ser guardas do dirigente do maior partido da oposição moçambicana e passaram a instrumento de chantagem contra o Estado", segundo uma nota enviada à agência portuguesa Lusa pelo porta-voz da Presidência moçambicana, Edson Macuácua.
A DW África pediu a opinião ao advogado moçambicano, José Caldeira, especialista em questões constitucionais.
DW África: A Presidência acaba de anunciar que a RENAMO entrou em situação de inconstitucionalidade. Até que ponto esta tese tem pernas para andar?
José Caldeira (JC): De facto temos um dispositivo constitucional que diz que qualquer partido político não pode recorrer à via armada para alterar a lei, a ordem, e provocar a mudança social. E também temos dispositivo similar na lei dos partidos políticos. Os partidos políticos não podem ser partidos armados. De acordo com a lei, havendo algum partido que recorra à via armada, naturalmente que está em violação da Constituição e está em violação da Lei dos Partidos políticos.
DW África: No caso concreto da situação de Moçambique neste momento, a RENAMO, estando a realizar ataques contra civis, unidades militares e policiais, está a praticar um ato inconstitucional?
JC: É um ato inconstitucional e ilegal, claramente, se tivermos em conta o quadro jurídico vigente neste país.
DW África: Fala-se do artigo 77 da Constituição da República de Moçambique, que proíbe aos partidos políticos recorrer à violência armada. Isso aplica-se quando no caso de autodefesa do partido?
JC: Quer dizer, os partidos políticos, não só por causa do dispositivo constitucional, mas também pela Lei dos Partidos políticos, não podem recorrer à violência armada por qualquer razão. Para a defesa dos seus interesses têm que recorrer à força pública, que é a força estatal.
DW África: Mas não teria cabido à polícia invadir o quartel-general da RENAMO na Gorongosa, em vez dos militares?
JC: Não tenho indicações concretas do que aconteceu. Eu estou a falar é sob o ponto de vista estritamente legal a proibição de haver partidos ou pessoas à revelia e sem estarem devidamente licenciadas.
DW África: O Acordo Geral de Paz rubricado entre o Governo e da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a RENAMO, autoriza o movimento – neste caso a RENAMO – a manter um contingente de guerrilheiros para garantir a segurança dos seus dirigentes, nomeadamente de Dhlakama. E foi o que aconteceu. Não se tratou da criação de um exército à revelia do próprio acordo de paz.
JC: Sim, esse é outra discussão que aparece muito aqui no nosso país. Mas eu julgo que uma leitura atenta do Acordo Geral de Paz leva à conclusão que este acordo já está integrado na Constituição e na legislação vigente. O que está hoje em vigor neste país é a Constituição e as leis. Houve a incorporação do acordo de paz. Esse dispositivo a que se refere dizia que as forças eram para proteger os dirigentes. Nesse sentido, esse contingente foi mantido. Deveria ter sido integrado na polícia, é o que está preconizado. As razões pelas quais isso não aconteceu não são do conhecimento do cidadão comum e também não são do meu conhecimento. Mas o facto é que esse dispositivo não pode ser usado para atacar nem cidadãos civis, nem unidades policiais. Penso que isso a própria RENAMO também reconhece. Os dirigentes da RENAMO reconhecem que não pode haver dois exércitos neste país.
DW África: Acha que a situação que se vive em Moçambique poderá alterar-se pela positiva?
JC: Se ouvir os cidadãos, todos apelam ao diálogo, todos apelam ao bom senso, para que esta situação seja ultrapassada. Todos nós reconhecemos que os dirigentes da RENAMO, inclusive o Sr. Afonso Dhlakama, são pessoas que têm muito peso neste país. O Sr. Dhlakama é membro do Conselho de Estado. Nós temos vários deputados (da RENAMO) que são membros do Parlamento e estão em exercício (das funções). Portanto, é só positivo para o país que haja esta pluralidade de pontos de vista e que haja a possibilidade de chegar a um acordo que termine com esta situação. E todos nós mantemos a viva esperança que, ao fim e ao cabo, prevalecerá o bom senso.