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Guiné-Bissau prevê quebra de até 50% nas receitas fiscais

17 de abril de 2020

Ministro das Finanças da Guiné-Bissau diz em entrevista à DW que os próximos tempos serão difíceis, por causa da Covid-19. O setor do caju vai ressentir-se, afetando 80% da população. Executivo pediu ajuda a parceiros.

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Ruas praticamente desertas em Bissau devido ao estado de emergênciaFoto: DW/B. Darame

Cerca de 80% da população guineense que depende diretamente da comercialização da castanha de caju vai sofrer consequências graves com a baixa do preço de compra do produto ao produtor, antevê o ministro das Finanças da Guiné-Bissau. Em entrevista exclusiva à DW África, João Fadia garante que a crise provocada pela pandemia da Covid-19 terá um "impacto muito significativo na débil economia" do país.

A Guiné-Bissau depende fortemente da compra e venda da castanha de caju, o maior produto de exportação do país. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê uma contração de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em comparação com uma perspetiva de crescimento inicial de 4,9%, antes do início da pandemia. Projetam-se perdas de cerca de 40 milhões de euros em pagamentos.

As autoridades guineenses pediram ao FMI um financiamento de crédito rápido.  O país beneficiou entretanto de um alívio da dívida ao Fundo de 4,5 milhões de euros. O ministro João Fadia diz que esses e outros apoios permitirão "desafogar" as contas públicas da Guiné-Bissau: "Se [tivéssemos] que reembolsar essas despesas em dívidas, enfrentando ainda a crise da pandemia, não quero imaginar como seria o nosso orçamento".

Guinea-Bissau João Fadia
Ministro das Finanças guineense, João FadiaFoto: DW/B. Darame

DW África: A que medidas financeiras está o atual Governo a recorrer para responder à crise económica e financeira provocada pelo novo coronavírus?

João Fadia (JF): O Governo da Guiné-Bissau está a trabalhar com um plano de resposta à pandemia orçado em mais de 13 milhões de dólares, apresentado aos parceiros, que prontamente aceitaram financiar esse programa. Já anunciaram esses apoios que ainda não estamos a utilizar. Por exemplo, o Banco Mundial, no âmbito de um projeto para área da saúde, já tem disponíveis cerca de 3 milhões de dólares. O Fundo Monetário Internacional avança com 5 milhões de dólares. Ainda hoje consegui um empréstimo concessionário junto do Banco Islâmico de Desenvolvimento no valor de 15 milhões de dólares, que também está destinado para o combate ao coronavírus. São esses montantes que contamos utilizar para enfrentar a pandemia.  

DW África: Que impacto terá na economia da Guiné-Bissau a crise provocada pelo novo coronavírus? Quanto é que o país poderá perder em termos de receitas fiscais? 

JF: Ainda não sei se teremos uma recessão ou depressão económica, mas a verdade é que teremos um efeito bastante negativo na nossa economia, isto temos que admitir. A Guiné-Bissau deveria, neste momento, proceder à recolha [campanha] para exportação da castanha de caju. Os produtores, que são cerca de 80% da população, têm castanhas disponíveis e não há compradores, porque os compradores são provenientes do Vietname, da China e da Índia, este último com maior preponderância. Constata-se que nestes países, por exemplo no Vietname, segundo informações que recebemos, algumas fábricas estão fechadas e outras em vias de parar a produção, o que significa que toda a África Ocidental que produz a castanha, nomeadamente a Costa do Marfim, o Senegal, a Guiné-Bissau, o Benim e a Nigéria, está com castanhas ainda por comprar. Isto terá um impacto muito negativo na economia. Nesta altura deveria haver contratos de exportação, o que ainda não temos. Não há compradores e as fronteiras também estão fechadas. Normalmente, os compradores vinham até a Bissau, agora não podem vir. A circulação do transporte marítimo está muito condicionada nas últimas semanas. 

Covid-19: Retrato da Guiné-Bissau em estado de emergência

Mas o Estado não está de braços cruzados, estamos a tentar encontrar formas de angariar recursos financeiros para pôr à disposição da banca guineense, para que possa financiar a compra e garantir o armazenamento do produto [castanha de caju] até que a crise do coronavírus passe. Estamos a discutir com o Fundo Monetário Internacional sobre o futuro da nossa economia, mas já temos uma ideia de que podemos perder até 50% das receitas fiscais este ano. Isso é significativo para uma economia débil como a da Guiné-Bissau. 

DW África: Ou seja, está a admitir uma forte quebra no crescimento do PIB da Guiné-Bissau? 

JF: De 2015 a 2017, a Guiné-Bissau cresceu quase 6% por ano, só caiu nos dois últimos anos. No ano passado [2019] baixou para 3,8%, resultado talvez de uma governação menos conseguida. A verdade é que a economia depende da castanha de caju, que não tem mercado neste momento - significa que o preço de compra junto ao produtor [camponês] vai ser menor do que nos anos anteriores, isto é um dado certo. É também de assinalar que outras atividades económicas estão todas fechadas, porque as pessoas são obrigadas a confinarem-se nas suas casas. Há um período de três ou quatros horas por dia em que as pessoas saem para fazer compras. Portanto, a economia está a cair. Esta sexta-feira (17.04) iremos começar a trabalhar com o FMI e penso que, daqui a duas semanas, poderei dizer mais ou menos [o valor da perda no PIB]. 

DW África: A Guiné-Bissau depende muito das ajudas dos doadores internacionais e da comercialização da castanha de caju. O país estará pronto para sobreviver sem receitas desses dois canais? 

JF: Como sabe, praticamente todos os países africanos vão conhecer momentos difíceis, porque a maioria são produtores ou exportadores das matérias-primas de origem agrícola ou exportadores de petróleo. Todos esses produtos exportáveis estão em baixa no mercado internacional e, conscientes disso, as nossas instituições financeiras internacionais já anunciaram alguns apoios aos países africanos. O FMI instituiu agora um financiamento a que chamam "facilidade de crédito rápido", que será desbloqueado já e pode ir até cerca 50% de quotas de cada país membro. A Guiné-Bissau já beneficiou na semana passada de um alívio da dívida com o FMI. A nível sub-regional, o nosso Banco Oeste Africano de Desenvolvimento (BOAD), através do conselho nacional de tesouro, decidiu suspender o reembolso da prestação de capitais durante todo o ano de 2020. Portanto, os países só vão pagar as taxas de juros. Acredito que esse conjunto de medidas de solidariedade internacional vai ajudar um bocadinho a desafogar o nosso país, porque se [tivéssemos] que reembolsar essas despesas em dívidas, enfrentado ainda a crise da pandemia, não quero imaginar como seria o nosso orçamento.  

DW África: Com a economia parada num país onde o Estado é o maior empregador, como é que este Governo pensa pagar os salários na Função Pública? 

JF: Estamos no Governo há 45 dias e pagámos os salários dos meses de fevereiro e março com recursos internos. Neste momento estou a preparar o pagamento do salário do mês de abril ainda no decurso de abril. Portanto, esta parte está assegurada. Estamos a organizar-nos para ter recursos - poupar ao máximo para assegurar o pagamento dos salários na Função Pública, que é o grande empregador na Guiné-Bissau. O setor privado é muito relativo em termos de emprego no país. Quanto aos camponeses, mesmo [que a castanha não seja vendida ao] preço que seria desejável - devido ao problema do mercado que está fechado e, mesmo quando o mercado abrir, haverá uma grande oferta porque todos os países vão exportar e os preços vão baixar - isso não significa que os produtores não terão os seus rendimentos mais ou menos garantidos. Ao todo, a Função Pública da Guiné-Bissau emprega mais de 30 mil funcionários, contando com as forças de defesa e segurança - mantendo esses salários, isso ajudará as famílias a não enfrentarem crises extremas. Paralelamente, o Estado guineense está a criar um stock de bens de primeira necessidade para distribuir às famílias mais carenciadas.  

DW África: E para quando está prevista a distribuição desses produtos às famílias mais carenciadas? 

JF: Curiosamente, houve uma grande onda de solidariedade nacional e a comissão interministerial recebeu uma grande quantidade de bens alimentares. Por exemplo, há uma oferta de 4 mil sacos de arroz, e o Governo vai adquirir 3 mil sacos de arroz e 3 mil de açúcar, que depois será distribuído às famílias mais carenciadas. Estamos ainda a comprar produtos de higiene como sabão e lixívia para ajudar as pessoas.