Crimes na era colonial: Portugal deve "pagar o quê, a quem"?
25 de abril de 2024Portugal celebra esta quinta-feira os 50 anos da Revolução dos Cravos, ocorrida a 25 de abril de 1974 e que determinou o fim da ditadura do regime de Salazar.
O 25 de Abril de 1974 contribuiu para a libertação dos países colonizados, referiu, em declarações à DW África, o chefe de Estado cabo-verdiano, José Maria Neves, lembrando a importância da luta pela independência.
"É um marco histórico para os países de expressão portuguesa. É a possibilidade de nós escrevermos com as nossas próprias mãos o nosso destino. Isso é extraordinariamente importante. É algo fabuloso. Pode haver problemas, pode haver desafios, mas a independência sempre vale a pena."
A Revolução dos Cravos "veio abrir novas avenidas", acrescentou Neves.
"Desde logo, a liberdade de expressão, a possibilidade de escolha […] Portanto, o 25 de Abril é um momento cintilante na História política moderna de Cabo Verde e dos países de expressão portuguesa."
Pagamento de reparações
Neves é um dos seis chefes de Estado dos países de língua portuguesa, antigas colónias de Portugal, presentes em Lisboa para as comemorações desta efeméride, a convite do Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, que quis juntar todos os seus pares num evento, no Centro Cultural de Belém, onde, a 17 de Junho de 1996, nasceu a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
De manhã, na Assembleia da República, depois da intervenção de todas as forças políticas com assento parlamentar, Rebelo de Sousa realçou no seu discurso a importância histórica da Revolução dos Cravos e a presença portuguesa em África.
Mas o chefe de Estado não respondeu às críticas de André Ventura, líder do partido Chega, que, durante a sessão solene, criticou o Presidente português por ter afirmado que Portugal devia pagar pelos crimes cometidos no passado nas suas antigas colónias.
"Pagar o quê, pagar a quem, se nós levámos mundos ao mundo inteiro", questionou.
"Pedir desculpa é a parte fácil"
Num jantar na terça-feira (23.04) com correspondentes estrangeiros baseados em Portugal, Rebelo de Sousa defendeu que não basta pedir desculpas pelos atos que marcaram o passado histórico do país.
"Eu sou dos defensores de assumir a responsabilidade total, porque pedir desculpa é a parte fácil. Não. Nós somos responsáveis por aquilo que nós fizemos. O que fizemos lá nos massacres teve custos."
Entretanto, lá fora, em frente ao Parlamento – enquanto decorria a sessão solene comemorativa – um grupo de cidadãos guineense indignados protestou, em silêncio, contra a presença nestas comemorações do Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló.
"Nós queremos saber que sentido é que tem convidar um ditador, um opressor, para vir celebrar a liberdade. Queremos que o professor Marcelo nos responda", interpelou Mariano Quade, um dos manifestantes.
Expetativas dos PALOP longe de se concretizar?
Entre o vasto programa das comemorações pelo país inteiro, na Mealhada, foi exibido o documentário "África, como eu a vi", de Paulo Fajardo. Baseado em depoimentos inéditos, o filme traz a público, 50 anos depois do 25 de Abril de 1974, testemunhos sobre a violência da Guerra Colonial, que opôs Portugal a Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, entre 1961 e 1974.
A escrita foi uns dos instrumentos de luta usada pelos nacionalistas contra o regime colonial português. É neste contexto que os escritores lusófonos também se associaram às comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos com uma tertúlia afro-atlântica em Lisboa na véspera do dia 25 de abril.
João Melo, um dos promotores da iniciativa, considera que as independências dos países africanos lusófonos "foram uma conquista inegável".
"Obviamente e compreensivamente, a situação nos cinco países africanos, ex-colónias de Portugal, que alcançaram a independência na sequência dos acontecimentos do 25 de Abril, não é uniforme. Cada país tem os seus problemas específicos, mas a independência é sem dúvida um bem indiscutível."
No entanto, o ex-deputado angolano, que em abril de 1974 estava em Coimbra a estudar Direito, não nega, que "muitas das expetativas" que os povos dos PALOP tinham há 50 anos estão longe se terem concretizado por razões internas e externas diversas.
"Mas somos livres e independentes e cabe-nos a nós lutar para resolver os nossos próprios problemas", destacou.