Moçambique: Privacidade versus liberdade de imprensa
17 de dezembro de 2019De acordo com o portal da Presidência de Moçambique, o Presidente Filipe Nyusi promulgou e mandou publicar a Lei de Revisão do Código Penal e a Lei de Revisão do Código do Processo Penal, aprovadas pelo Parlamento em Julho de 2019.
O Código Penal revisto tipifica novos crimes, com destaque para a criminalização da atividade de gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, imagem, fotografia, vídeo, áudio, facturação detalhada, mensagens de correio electrónico, de rede social ou de outra plataforma de transmissão de dados de terceiros, sem consentimento.
Isso deixou muitos jornalista desconfiados e alguns optam, por agora, pela ponderação antes de emitir qualquer avaliação, como é o caso de Fernando Lima: "Não me sinto a vontade para comentar e preciso de investigar mais para saber do que se trata, porque me parece muito preocupante aquilo que foi legislado."
Cerceamento das liberdades?
Os jornalistas receiam que com as criminalizações previstas possa haver um cerceamento das liberdades, nomeadamente de imprensa, e que neste caso se poderia materializar na limitação das fontes.
Entretanto, o docente de comunicação social Sérgio Langa lembra que "parte desses extratos deste novo Código Penal exibidos nalguma imprensa não são necessariamente novos. Por exemplo, sobre questão da nulidade daquilo que seriam as provas que são consideradas ilícitas ou adquiridas por via da coação, que são muitas vezes usados no jornalismo, se observarmos o número 3 do artigo 65 da Constituição da República, isto já está postulado."
E Langa desdramatiza: "Quer dizer, há um alarido talvez desnecessário, não é um assunto necessariamente novo."
Privacidade vs liberdades
Nota-se no documento uma tendência de maior proteção à privacidade, o que é visto como uma conquista. Mas por outro lado, não chocaria esta tendência de melhoria com as liberdades, principalmente a de imprensa?
"Os direitos e liberdades fundamentais do cidadão, sem querer escalona-los, o direito a privacidade pode, de alguma maneira, pode ser sobreposto por conta do direito da liberdade de imprensa. Se reparar, a questão da privacidade é um direito que opera na esfera privada da própria pessoa, enquanto que o da liberdade de imprensa está mais no campo profissional. Claro, que depois da informação divulgada pode, de certa forma, também ser revindicado pela pessoa como um direito fundamental de ter acesso a informação", responde o jurista Job Fazenda.
Não pode haver contradições de leis
As desconfianças ou dúvidas podem ser "arrefecidas" tomando como príncipio que as leis não se devem contradizer entre elas, ou seja, que o Código Penal não choca com Lei de Imprensa.
E o jurista esclarece que "se o Código Penal nalgum momento contraria uma lei anterior, preseume que a lei anterior, na parte onde há contradição, tenha sido revogada. Mas se o mesmo código contrariar a Constituição da República, a parte referente a contradição, o Conselho Constitucional pode muito bem declarar inconstitucional aquela norma. Não não é prática que o atual Código Penal contrarie a Lei de Imprensa".
Uma oportunidade de refazer indústria mediática
Mas o novo Código Penal não veio só semear desconfianças na comunicação social, ele traz também oportunidades para o amadurecimento do setor, entende o especialista em comunicação social Sérgio Langa: "Por outro lado era importante que víssemos o Código Penal por um outro ângulo, vejo uma oportunidade para refazermos a indústria mediática em termos de robustez, em termos de produção de conteúdo local, sobretudo televisivos."
O docente afiança que "há dados de pesquisas que mostram o quadro vazio sobre a percentagem de conteúdos locais produzidos internamente. Quer dizer que a televisão nacional é maioritariamente alimentada por "enlatados". E os conteúdos locais estão centrados em imagens paupérrimas e algumas na condição ilícita, como postula este novo Código Penal."
E nesse sentido alerta: "Então, era importante que olhassemos para o novo Código Penal como o viabilizador daquilo que seria a revolução para uma base produtiva na nossa indústria mediática."