Denise Namburete: "Várias vezes tive de fugir de Moçambique"
9 de dezembro de 2021Denise Namburete é uma das representantes da sociedade civil moçambicana que ao longo dos últimos anos se bateu para que os responsáveis pelo caso das dívidas ocultas fossem julgados, dentro e fora de Moçambique.
O seu trabalho foi agora reconhecido a nível internacional. A fundadora e diretora-executiva da organização não-governamental moçambicana "N'weti" recebeu a edição 2021 do "Prémio Campeões Anticorrupção", atribuído pelo departamento de Estado norte-americano.
A DW falou com a ativista moçambicana a propósito do galardão.
DW África: O que representa este prémio para si?
Denise Namburete (DN): É certamente com bastante alegria que, tanto eu como a minha organização, recebem este prémio que representa todos os moçambicanos e representa todas as mulheres moçambicanas. Representa todos aqueles que estiveram viva e arduamente a expressar o seu desagrado com vários casos de corrupção que foram expostos em Moçambique, não só sobre as dívidas ilegais, mas muitos outros.
DW África: O trabalho da Denise Namburete nem sempre foi bem visto. Foi alvo de pressões?
DN: Nós sofremos muita pressão em Moçambique, de vários quadrantes da sociedade, principalmente daqueles aliados do sistema que acreditavam que efetivamente este era um caso de um contrato legal, de um contrato de soberania, de Defesa Nacional, e que tinha acontecido dentro dos trâmites legais e procedimentos legais. Recebemos também muita retaliação e muita ostracização de dirigentes políticos e de pessoas muito bem colocadas no sistema político. Fora de Moçambique, sofremos muita pressão do Crédit Suisse, devo dizer. Fomos investigados. Houve uma tentativa muito grande de recolher informações que nos pudessem descredibilizar. Sofremos bastante pressão e ameaças. Várias vezes tive de fugir de Moçambique. Várias vezes recebi chamadas de alerta de que estava em perigo e que precisava de desaparecer por algum tempo.
DW África: Acredita que vai ser feita justiça?
DN: Acho que de alguma forma nós conseguimos atingir esse objetivo, seja através das publicações internacionais, seja através de toda a cobertura do julgamento do Jean Boustani, através do julgamento agora, através das exposições dos diferentes atores que estão com os processos legais em Londres, seja dos investidores, seja do caso da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique, seja do processo do Crédit Suisse. Todos estes processos trazem informações bastante ricas sobre os diferentes aspetos que contornaram a contração dessas dívidas. Depois temos o nível de responsabilização. Estamos a acompanhar o nível de responsabilização mais localizado, mais doméstico em Moçambique e que eu acho que há uma expectativa muito limitada, na medida em que temos também a expectativa de que os dirigentes de mais alto nível possam partilhar a sua perspetiva sobre todo o processo de contração dessas dívidas. A nível internacional, tínhamos uma expectativa muito grande de que o tribunal consolidasse todos os casos e não só. Isso aconteceu e é bastante positivo. Vai ser um julgamento bastante longo, bastante complexo, com muitas partes interessadas, mas eu acho que só nos resta torcer para que a justiça seja feita também em Londres.
DW África: Sabemos que se encontra na África do Sul, onde decorre um caso ligado a este processo das dívidas ocultas que é o caso de Manuel Chang.
DN: Em relação ao caso de Manuel Chang, continuamos na luta e continuamos a interpor todos os recursos necessários para impedir que ele volte a Moçambique. Continuamos a acreditar que, da mesma forma que os dirigentes de alto nível que estiveram envolvidos neste processo não serão indiciados, dificilmente poderemos acreditar que Manuel Chang será indiciado e julgado em Moçambique. Continuaremos a lutar para que ele seja efetivamente julgado num espaço onde exista efetivamente uma acusação contra ele.
DW África: Este caso das dívidas ocultas é um exemplo de como grupos ou indivíduos se aproveitam das fragilidades de um país. O Estado moçambicano foi capturado, por assim dizer. Acha que foi capturado por indivíduos e grupos moçambicanos ou acha que a iniciativa para a corrupção partiu de instâncias estrangeiras?
DN: Acho que é evidente que a iniciativa do projeto veio da ala da Privinvest. Em Moçambique, a iniciativa encontrou um espaço favorável para que a fraude acontecesse e nós temos que assumir a responsabilidade pelas nossas fragilidades, pelas lacunas dos nossos sistemas, das nossas políticas e das nossas instituições e que criam condições para que fraudes desta natureza, que são arquitetadas fora de Moçambique, encontrem espaço para vincar em Moçambique.