Do Gana para a Europa: a história de dois sobreviventes
27 de abril de 2015Numa altura em que o mundo tem os olhos postos na situação dramática dos migrantes do Mediterrâneo, alguns sobreviventes do Gana contam as suas histórias e colaboram com as autoridades locais para tentarem dissuadir outros cidadãos de embarcarem nestas perigosas viagens.
“Comecei a ter a ideia de viajar quando andava na escola. Tinha colegas cujos pais estavam no estrangeiro e quando voltavam traziam bons carros e outras coisas, e eu comecei a pensar que um dia também iria para o estrangeiro. Mas não tinha nenhum familiar noutro país que me pudesse ajudar.”
Quem o diz é Eric Opoku Ware, de 35 anos, natural do Gana. Após várias tentativas falhadas para conseguir um visto para a Europa, deixou o seu país no ano de 2000, ilegalmente, rumo ao continente que acreditava que lhe iria trazer uma vida melhor. Contudo, a experiência acabou por não ser tão boa como esperava inicialmente.
“Fui de Acra até ao Burkina Faso, e depois até à Nigéria. Pelo caminho conheci muitos outros africanos com a mesma ambição que eu. A viagem é muito perigosa e desejei poder voltar atrás muitas vezes. Íamos mais de 60 pessoas num só veículo. Não tínhamos nada para comer, precisávamos de água desesperadamente e até bebíamos urina para tentar acabar com a sede”, conta Eric.
Ernest Lawey, outro migrante, tem uma história semelhante: “começámos a viagem em Bawku, no Gana, até ao Gabão, sentados no tejadilho dos veículos. Havia um chefe que organizava a viagem de todos os que iam até à Líbia. Nós pagávamos para ir nestes veículos, e depois pagávamos de novo para nos darem instruções quanto ao resto do caminho.”
Tanto Ernest como Eric sobreviveram às perigosas viagens e conseguiram chegar até à Líbia, onde acabaram por ser presos pelos serviços de imigração e deportados. Agora estão a tentar reconstruir as suas vidas no Gana. O governo deste país tem sido criticado por vários especialistas por não conseguir evitar que os seus cidadãos embarquem nestas viagens.
“Estão a morrer demasiadas pessoas por não estarem informadas acerca dos perigos”
Eric Opoku Ware e outros migrantes retornados produziram um documentário onde contam as suas histórias. Este já foi transmitido em varas comunidades locais e pretende sensibilizar os ganeses para os perigos das viagens ilegais. Eric tem esperança de que esta iniciativa possa ajudar a salvar vidas.
“Para mim, as migrações ilegais e as mortes que estão a ocorrer no mar e nos desertos são como a malária, como o ébola, como os acidentes na estrada, como qualquer outro dos problemas com que o governo se preocupa. Mas também se deviam preocupar com esta questão, porque estão a morrer demasiadas pessoas por não estarem informadas acerca dos perigos”, afirma Eric.
Mas nem todos estão dispostos a dar ouvidos a esta campanha. Há muitos ganeses que continuam a ter a ambição de sair do país, apesar dos riscos. David Agblor e Nii Allotey são dois desses exemplos.
“Gostava de ir para o estrangeiro, especialmente para países mais desenvolvidos, para também poder melhorar a minha vida”, declara Agbor.
Também Allotey não se deixa assustar pelos perigos e mantém a ambição de emigrar: “Tenho muitos amigos que conseguiram ir para outro país e eu estou aqui sem fazer nada. Se tiver a oportunidade de ir, também vou.”
As autoridades nacionais do Gana estão a apoiar a iniciativa de Eric e de Ernest para que ajudem a mudar mentalidades e a sensibilizar os seus compatriotas para que não coloquem as suas vidas em perigo nestas viagens ilegais. Só este ano, já morreram mais de 1.700 pessoas enquanto tentavam chegar à Europa.