Economista: Angola deve pedir ajuda financeira ao FMI
24 de janeiro de 2018O Presidente João Lourenço e a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, estiveram reunidos em Davos, na Suíça, na terça-feira (23.01). Pouco se sabe sobre este encontro e sobre o futuro das relações de Angola e do Fundo Monetário Internacional. Mas o economista angolano Carlos Rosado de Carvalho sugere ao Governo que solicite ao FMI um programa de assistência financeira – de forma a conseguir implementar o Programa de Estabilização Macroeconómica apresentado pelo Executivo de João Lourenço para resolver a crise no país.
O também diretor do jornal Expansão considera que o Governo de Luanda não tem capacidade para implementar o plano que o próprio Governo criou para resolver a crise.
DW África: Este encontro entre João Lourenço e Christine Lagarde é um sinal de que Angola vai avançar com um pedido de ajuda ao FMI?
Carlos Rosado de Carvalho (CRC): Eu creio que não. Há aqui uma declaração do ministro das Finanças que diz que não pensam recorrer ao Fundo Monetário Internacional para pedir assistência financeira. Agora, claramente que o Programa de Estabilização Macroeconómica (PEM) que foi desenhado em Angola tem a mão do FMI, porque as medidas que estão lá previstas não seriam muito diferentes daquelas que seriam implementadas num programa de assistência financeira.
O meu problema está justamente na implementação dessas medidas. Aliás, os últimos desenvolvimentos apontam para alguns recuos do Governo em matéria de implementação do PEM. Por exemplo, o governador do Banco Nacional de Angola (BNA) disse que ia adotar um regime de câmbio flutuante, dentro de uma determinada banda, que não seria comunicada ao mercado, e que o BNA interviria no mercado caso fosse necessário – se o euro estivesse a valorizar muito, o banco interviria, oferecendo euros. E o que está a acontecer é exatamente o contrário: a taxa de câmbio do kwanza não é flutuante, porque o BNA impõe um determinado limite de variação da taxa. Portanto, o meu problema não é tanto o PEM, mas a aplicação do PEM.
DW África: Ainda assim, considera que Angola deve pedir ajuda financeira ao FMI?
CRC: Nós precisamos de ajuda financeira, porque precisamos de dinheiro. Mas o meu problema não é tanto o dinheiro. O meu problema é a aplicação do PEM. Repito: no essencial, o plano não seria muito diferente de um programa com o FMI, o problema é a implementação. Se tivermos assistência financeira, o FMI tem poder negocial sobre o Governo angolano, no sentido de que vem cá, faz avaliações e o dinheiro só é libertado se o programa estiver a ser cumprido. A minha questão é essa. Nenhum Programa de Estabilização é aplicado exatamente como está, há sempre alguns problemas, mas eu não acredito na capacidade do Governo angolano de implementar o plano que o próprio Governo fez. Só com um programa de assistência financeira é que o FMI tem algum ascendente sobre o Governo de Luanda. Doutra maneira, não têm: fazem assistência técnica, relatórios e recomendações e o Governo segue se quiser.
DW África: Mais do que um programa de assistência financeira, estamos a falar de um programa de assistência técnica…
CRC: Não, ajuda técnica não vai a lado nenhum, porque o Governo só faz aquilo que quer. Para já, não há programas de ajuda técnica, isso é uma invenção do Governo angolano. Existem projetos específicos de ajuda técnica, isso sim. Por exemplo, no caso da diminuição dos subsídios aos combustíveis em Angola, o FMI deu assistência técnica ao Governo e fez um conjunto de recomendações do qual o Governo fez tábua rasa. O FMI propunha que os subsídios, nomeadamente à gasolina e ao gasóleo, fossem eliminados faseadamente, até 2019 e, de um momento para o outro, entre 2015 e 2016, o Governo eliminou os subsídios todos.
DW África: A concretizar-se um pedido de assistência financeira, podemos falar no outro lado da moeda? Numa altura em que os angolanos enfrentam grandes dificuldades financeiras, nomeadamente um poder de compra baixo, um eventual programa do FMI não será sinónimo de mais austeridade, mais dificuldades?
CRC: Não, é o que eu lhe digo, esse programa do Governo é den uma tremenda austeridade. Tem aumentos de impostos, tem redução de despesas. Já há austeridade. No limite, há até uma pequena diferença: nos diferentes relatórios que tem sobre Angola, o Fundo Monetário Internacional está sempre a dizer ao Governo que a crise afeta, sobretudo, as classes mais desfavorecidas, que devem ser criados programas de transferências diretas de rendimento para a população mais pobre. Foi isso que aconteceu com a eliminação dos subsídios aos combustíveis. O FMI disse ‘meus senhores, se eliminarem o subsídio, os mais afetados serão aqueles com menores rendimentos, e têm de criar um programa de transferências diretas'. E o Governo não fez isso. Ao contrário do que acontece muitas vezes, por exemplo, na América Latina – que é um bocadinho a má fama do FMI -, em Angola é o Fundo que pede ao Governo para fazer programas de assistência social e o Governo tem feito ouvidos de mercador. Agora, o Presidente João Lourenço disse que vai haver programas de assistência às famílias mais pobres. Mas não tem havido, e não é por falta de recomendações do FMI e do Banco Mundial.
DW África: O que é que se espera das relações entre Angola e o FMI num futuro próximo?
CRC: Aquilo que o Governo tem vindo a dizer é que não vai pedir ajuda financeira. O Fundo Monetário Internacional não deve tardar aqui em Angola, por causa do artigo 4º do estatuto do FMI que prevê consultas regulares e, em resultado disso, o FMI elabora um relatório. É esse relatório que está em causa. Espera-se que, em breve – inicialmente estava previsto para janeiro – os técnicos do fundo venham cá e façam esse relatório. De resto, existem notícias que dizem que estão cá missões técnicas do FMI. Acredito que o Fundo já tenha participado no PEM e admito que possam ter ajudado na elaboração do Orçamento Geral do Estado. As relações vão decorrer normalmente, como com qualquer Estado-membro. Neste caso particular, Angola provavelmente vai solicitar mais ajudas técnicas e virão mais missões do FMI.