Eleições em Moçambique: Três mudanças nestas autárquicas
21 de setembro de 2023No dia 11 de outubro, os moçambicanos vão eleger os representantes de 65 autarquias. São 12 a mais em comparação com as eleições autárquicas de 2018, quando eram 53 municípios.
Esta é apenas uma das mudanças no pleito deste ano e tem a ver com o processo de descentralização. A medida está expressa na lei moçambicana, que prevê a transferência gradual de competências do poder central para o local nos setores social e económico, de acordo com o desenvolvimento de cada autarquia.
Apesar da mudança prevista na lei, o investigador do Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP), Ivan Maússe, vê problemas na aplicação do princípio do gradualismo nestas eleições.
Segundo o investigador, "a transferência das atribuições do Governo central para as autarquias locais, que deve depender de financiamento, acaba por ter uma limitação na medida em que muitos municípios existentes em Moçambique ainda dependem grandemente das transferências orçamentais que são feitas pelo Governo central".
"É por essa razão que o nível das atribuições ou das missões dos municípios acaba por não ser cumprido, porque os municípios têm limitações financeiras", acrescenta.
Maússe considera que mais mudanças seriam necessárias do ponto de uma descentralização fiscal, "em que alguns impostos ou alguns tributos, que atualmente são cobrados pelo Governo central, fossem igualmente adjudicados ao município".
1. Substituição do cabeça-de-lista
A revisão da lei de base das autarquias, aprovada em 25 de agosto pelo Parlamento, traz várias mudanças para as eleições autárquicas deste ano. Uma das principais está relacionada com a nomeação do autarca caso o líder da lista vencedora não possa assumir: cai a nomeação automática do número dois e qualquer nome da lista poderá ser escolhido.
No entanto, a medida mina o processo da descentralização, uma vez que a substituição dependerá do poder central, diz o especialista em direito eleitoral, Guilherme Mbilana.
"O Governo central, no contexto da descentralização, tinha apenas o poder do tutela, que é a fiscalização dos atos administrativos praticados pela autarquia. Mas agora, já não é apenas o poder de tutela, é também o poder de substituição", explica Mbilana em entrevista à DW.
2. Influência do Conselho de Ministros
O especialista aponta ainda o poder conferido ao Conselho de Ministros, que a partir destas eleições passará a gerir as autarquias durante o período de transição, entre a proclamação dos resultados eleitorais e a entrada em funções dos novos líderes locais.
"Ao longo desse tempo todo, sempre houve um intervalo entre os que estavam em fim de mandato e a posse dos outros titulares. Em nenhum momento o Governo central podia entrar lá para fazer o papel de gestão. Mas agora vai passar a fazê-lo, através do Conselho de Ministros", afirma Guilherme Mbilana.
Sendo assim, o que acontecerá este ano na cidade da Beira? Há 20 anos que a autarquia é governada pela oposição, lembra o especialista.
3. Nomeação de administrador do distrito
Outra mudança polémica tem a ver com a nomeação de um administrador do distrito como representante do Estado na autarquia, como já acontece nas províncias com a figura do secretário de Estado.
Neste ponto, Guilherme Mbilana é enfático ao considerar que "há uma recentralização" do processo de descentralização.
"É mais uma mão do poder central no poder local. Esse administrador não é eleito, mas nomeado pelo chefe de Estado. Tem funções delegadas pelo chefe de Estado na autarquia. Isso é algo que não existia anteriormente. Vamos ter uma espécie de secretário de Estado na autarquia, que concorre com os poderes do presidente do Conselho Autárquico", considera o especialista em direito eleitoral.
Na avaliação de Ivan Maússe, investigador do CIP, Moçambique tem uma experiência de praticamente 27 anos de descentralização, "mas essa descentralização ainda se mostra problemática, o que mostra claramente que o sistema atual não é de todo eficaz".
Raquel Loureiro contribuiu para este artigo.