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Sobrevivente de grupo neonazi condenada a prisão perpétua

Lusa | AP | Reuters | vct
11 de julho de 2018

Beate Zschäpe foi declarada culpada em dez acusações de assassinato com motivações raciais. Familiares e advogados de vítimas queixam-se de investigação com muitas falhas e pedem mais justificações.

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Acusação argumentou que Zschäpe estava ciente de todos os crimes e encobriu o trio, apesar de não ter ficado provado se teve aprticipação direta ou nãoFoto: Reuters/M. Rehle

O Tribunal de Munique condenou esta quarta-feira (11.07) a prisão perpétua Beate Zschäpe, a única sobrevivente de um grupo neonazi pela sua participação numa dezena de assassinatos por motivação racista, além de outros crimes como ataques com bombas, assaltos e tentativas de assassinato. Foram ainda condenados quatro homens, culpados de apoio ao grupo nazi, com penas entre dois anos e meio e 10 anos de prisão.

O tribunal determinou ainda que os crimes cometidos são de extrema gravidade, o que, na prática, impede que a condenada possa deixar a prisão depois de cumprir 15 anos da sua pena. A defesa vai recorrer da decisão à instância superior, o Tribunal Federal de Justiça.

Mehmet Daimagüler
Adovago das vítimas diz que ré "vai deitar-se na cama que ela própria fez"Foto: DW/B. Knight

Mehmet Daimagueler, advogado das vítimas congratula a decisão.

"Acho que a sentença para a Zschäpe, prisão perpétua, incluindo a consideração de extrema gravidade, é consistente e correta. A Senhora Zschäpe, não é uma mulher que infelizmente estava no sítio errado à hora errada. É uma nazi, racista e assassina. Está a deitar-se na cama que ela própria fez”, declarou. 

O advogado acrescenta, contudo, que, para os clientes mais do que penas longas, era importante perceber "porque é que o Estado não os protegeu”, e, pelo contrário, até agiu como se eles fossem suspeitos. Para o advogado, trata-se de "racismo institucional”.

Processo longo

O julgamento durou cinco anos. Beate Zschäpe, de 43 anos, é a única sobrevivente de um trio designado Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU). Os seus dois colegas Uwe Mundlos e Uwe Boenhart foram encontrados mortos a tiro pela polícia que os ia deter. Os crimes foram perpetrados entre 2000 e 2007. Oito das vítimas assassinadas eram comerciantes de raízes turcas e uma outra era grega. Foi ainda morta uma agente policial.

Sobrevivente de grupo neonazi condenada a prisão perpétua

Para Barbara John, provedora do governo alemão para as vítimas e familiares, o longo julgamento acabou por fazer com que o sentido de justiça perdesse o impacto.

"Posso apenas dizer que o veredicto corresponde ao que as famílias esperavam. No entanto, este veredicto na Alemanha - que durou quinze anos – tem uma certa fraqueza, no que diz respeito ao sentido de justiça para aqueles que perderam um familiar”, lamenta.

Muitas falhas apontadas à investigação

O caso chocou a Alemanha devido ao facto do trio ter estado ativo e impune durante anos, indicando falhas nos serviços de informações internas. Além disso, durante muitos anos foi descartada a possibilidade de que as mortes dos comerciantes tivessem uma motivação racista e fossem ligadas a grupos de extrema-direita do país.

A polícia e os serviços secretos internos alemães levaram mais de uma década para descobrir que a série de crimes tinha sido cometida por um único grupo, que só foi descoberto a 4 de novembro de 2011, depois de um assalto a banco na cidade de Eisenach.

À imprensa, no dia anterior ao julgamento, as famílias queixavam-se que, apesar dos cinco anos de julgamento, muitas questões ficaram por responder. Ativistas que seguiam o caso e advogados dos familiares acreditam que há fortes suspeitas de que o grupo neonazi tem uma vasta rede de apoiantes além do que as autoridades reconhecem.

Sebastian Scharmer, advogado da filha de uma das vítimas, deixa fortes críticas à investigação.

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Sebastian Scharmer, outro dos advogados das vítimas diz que investigação nos locais do crime foi insuficienteFoto: imago/S.- M. Prager

"Se o procurador-geral acreditou que revirou tudo à procura dos culpados, isso é errado. Pelo que sabemos, as investigações pelos apoiantes nos locais do crime foram rudimentares e insuficientes. Isso não encaixava na teoria do trio, isto é, de apenas três culpados, que o procurador-geral defendia. Além disso, durante quase sete anos, as partes interessadas e nós, como advogados, não puderam aceder a ficheiros dos processos do Ministério Público”, queixa-se.

Scharmer insiste que os serviços de inteligência da Alemanha em nada contribuíram para ajudar a resolver o caso. E acrescenta que, durante processo, eles "mentiram e esconderam informação”.

Na véspera do julgamento, Gamze Kubasik, filha de uma das vítimas, Mehmet Kubasik, assassinado em 2006, também falou em ambiente de secretismo e pedia justificações.

"Não quero ter a sensação de que posso cruzar-me na rua com culpados a cada dia. Quero saber porque é que o meu pai foi um alvo. Quero saber porque é que, até hoje, não foram conduzidas investigações contra outros cúmplices. Os nossos advogados têm de ter acesso aos ficheiros. Quero que os serviços de segurança nacionais admitam o que sabem. Porque é que querem manter segredo?", pergunta Gamze Kubasik.

Acusação vai recorrer

Não há provas de que Zschäpe participou diretamente nos assassinatos. Mas a acusação afirmou que a sua colaboração foi decisiva para encobrir o trio e argumentou que ela estava ciente de todos os crimes, tendo concordado e participado decisivamente da sua execução.

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Defesa queixa-se que veredicto foi vago a descrever participação da ré nos crimesFoto: Getty Images/AFP/C. Stache

Zschäpe, por sua vez, afirmou que só ficou a conhecer os crimes depois de já terem sido cometidos e apelou ao tribunal que não a condenasse por "algo que não fiz nem quis". Zschäpe afirmou ter ficado chocada com os crimes, mas que, mesmo assim, optou por não denunciar Böhnhardt e Mundlos porque "os dois eram a minha família."

Por isso, a advogada de defesa da  principal ré, Anja Sturm,  que considerou o veredicto fago quanto à participação de Beate Zschäpe, garante que a defesa vai recorrer.

"A escassez de razões da decisão do tribunal é particularmente surpreendente para nós. Pelo que ouvimos, especialmente no que diz respeito aos dez assassinatos, o tribunal apenas repete a definição de responsabilidade, o que significa que Uwe Mundlos e Uwe Boenhart cometeram os dez assassinatos de forma deliberada e em interação intencional com a senhora  Zschäpe O tribunal deixa em aberto que tipo de interação foi. Do nosso ponto de vista, o veredicto é errado e vamos recorrer”, afirmou Anja Sturm.

O julgamento dos crimes da NSU é o maior processo judicial envolvendo neonazis da história da Alemanha e também o mais caro, com um custo estimado de 56 milhões de euros.

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