Encarecimento do combustível "acirrará mais os ânimos"
5 de maio de 2015Pela terceira vez em oito meses, o preço dos combustíveis sobe em Angola. Enquanto a maioria da população já empobrecida contesta, o Governo justifica a subida com a necessidade de "melhorar" a despesa pública ao diminuir a subvenção aos combustíveis.
A economia do país, dependente do petróleo, está em crise devido à baixa do preço desta commodity no mercado internacional. Por outro lado, a intervenção do Fundo Soberano de Angola neste contexto de crise é questionada, tal como a transparência das suas transações.
A DW África falou sobre o assunto com o jornalista e ativista dos direitos humanos angolano Rafael Marques.
DW África: Faz sentido que se reduza as subvenções aos combustíveis?
Rafael Marques (RM): Em princípio, não se sentirá o impacto dessa medida em breve. Mas, eventualmente, com a nova subida dos preços dos combustíveis que ainda se projeta, até ao próximo ano poderemos ter problemas sérios ao nível da circulação de viaturas. Não havendo aumentos salariais que acompanhem essa subida, muitas pessoas ficarão sem possibilidade de encher os tanques dos carros e de circular à vontade todos os dias para o trabalho, pois isso passará a ser extremamente oneroso. As consequências serão graves, sobretudo para o que nós aqui em Angola consideramos como a classe "desenrascada", que noutros sítios seria a classe média.
DW África: O encarecimento do combustível levará à subida dos preços de tudo o resto. Poderá haver um aumento das manifestações?
RM: Poderá, mas as manifestações terão pouco impacto. Todavia, é importante notar que, nas redes sociais, sobretudo ao nível da juventude, as pessoas são extremamente críticas em relação às políticas do Governo e à sua forma de gestão. E [esse aumento dos preços] só acirrará mais os ânimos.
Desde 2002 até hoje, não se criou uma rede funcional de transportes públicos. Como é que uma cidade com seis milhões de habitantes não tem uma rede transportes públicos?
DW África: A justificação do Governo para reduzir as subvenções é investir mais em programas sociais, justamente para pôr fim a essa pobreza que se vive em Angola. Isto é um paradoxo…
RM: Não é um paradoxo, é uma mentira descabida. Porque, quando o petróleo estava a mais de cem dólares o barril, não se fizeram os grandes investimentos, como agora se diz. Aliás, o superavit, que tanto se anunciava, desapareceu.
DW África: O Fundo Soberano de Angola não foi também criado para ajudar a prevenir este tipo de casos, como esta crise do petróleo?
RM: O Fundo foi criado e entregue ao filho do Presidente da República como mecanismo de enriquecimento da própria família presidencial e para que o seu filho possa estabelecer uma rede de contactos para as suas eventuais ambições presidenciais a médio prazo. Não é mais do que isso.
DW África: Em abril passado, o site Maka Angola denunciou uma transação pouco transparente no Fundo Soberano. Como é possível aumentar a transparência nos movimentos deste Fundo?
RM: A primeira medida de transparência teria sido a nomeação de alguém isento para gerir o Fundo. O facto de o Presidente angolano ter nomeado o seu próprio filho, sem experiência, para dirigir o Fundo significa, à partida, que não há ali qualquer interesse de fazer uma boa gestão dos recursos dos fundos públicos. Antes pelo contrário, é nepotismo e corrupção em todos os poros.