Ex-primeiro-ministro move queixa-crime contra Sissoco Embaló
10 de junho de 2024Martinho Ndafa Cabi fundou a organização da sociedade civil "Patriotas para a Salvação da Constituição", com a qual pretende lutar contra o "abuso de poder" no país e evitar um eventual conflito político militar.
Como primeira ação, o antigo primeiro-ministro, que dirigiu o país entre abril de 2007 a agosto de 2008, moveu uma queixa-crime contra o Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló.
DW África: O que esteve na origem da criação do grupo "Patriotas para a Salvação da Constituição"?
Martinho Ndafa Cabi (MNC): A democracia está em risco. E se há partidos políticos completamente divididos, desarticulados, alguém há-de vir para poder reinar, como é que pode haver democracia no país? Não pode haver nada. Não há nenhum partido que, neste momento, tenha estabilidade interna.
Tudo está desarticulado. Tudo. Todos os partidos têm problemas. Alguém está a meter a mão nos partidos políticos e nós sentimos isso. Durante este tempo, nenhum partido consegue dizer nenhuma palavra em relação a tudo aquilo que acontece no país. Ninguém diz nada. Nada, nada mesmo. Por isso, nós aparecemos, criamos este grupo, que nós chamamos de Grupo para a Salvação da Constituição e da Democracia.
DW África: E como é que vai atuar este grupo, se o partido tem medo de falar por causa das represálias? também a sociedade civil tentou um protesto de rua, que foi reprimido. Qual é o campo que essa iniciativa terá?
MNC: Quem não corre riscos? Até para comer com uma faca, existe risco, quanto mais para fazer política. Por isso, nós temos consciência clara de que existem todos esses riscos. E nós estamos a lutar, é uma luta. E não há nenhum poder que se oferece, se conquista. E nós estamos aqui numa luta para a conquista da nossa liberdade, da democracia, dos valores que os nossos combatentes conseguiram durante a luta.
DW África: E há quem diga que, por esse andar, o país poderá correr sérios riscos de ver mais um conflito político armado. Sente-se que a tensão está a chegar aos limites?
MNC: Isso é que nós não queremos. É melhor apagar o fumo do que esperar o fogo. E nós estamos a fazer esse papel, para evitar que nós cheguemos a este ponto. Há alta tensão aqui e nós temos de trabalhar para evitar chegar a essa fase.
DW África: Esse grupo vai tentar contactos com as autoridades do país, com partidos políticos, sociedade civil? Como é que vai ser?
MNC: Primeiro objetivo: nós vamos continuar a elencar todos os abusos e crimes que essa autoridade está a produzir. Temos já advogados que preparam as nossas propostas, que levamos para os tribunais. E isso é que estamos a fazer. Já entregámos duas queixas no tribunal, portanto na Procuradoria-Geral, uma queixa contra a atual presidente do Supremo Tribunal e outra contra o Presidente da República. É isso que estamos a fazer.
DW África: E qual o porquê destas duas queixas? Quais são os fundamentos?
MNC: O [anterior] presidente do Supremo Tribunal foi assaltado, foi injuriado. Polícias foram à casa dele, invadiram a casa dele, até que o homem pediu demissão sem querer. E alguém foi lá e assaltou o gabinete dele e assumiu o poder. Portanto, por isso é que nós apresentamos uma queixa-crime por crime de usurpação de funções, crime de arrombamento e crime de dano previsto e punido no nosso Código Penal contra o Presidente da República.
Nós apresentamos uma queixa-crime, de atentado contra a Constituição da República, por causa da dissolução da Assembleia da República no prazo não previsto na lei. Outra queixa é equação contra órgãos constitucionais, porque entendemos que ele quer silenciar os órgãos estatais, por exemplo, a ANP e o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que é a organização do poder político que se baseia na separação e independência dos órgãos da soberania e da subordinação de todos eles da Constituição. Portanto, ele não quer que isso funcione. Abuso de poderes é outra questão.