Exército de Resistência do Senhor: Bandidos ou militares?
24 de janeiro de 2022O Exército de Resistencia do Senhor (LRA) foi fundado em 1987 no norte do Uganda e liderado pelo fugitivo Joseph Kony, para tentar derrubar o veterano Presidente Yoweri Museveni e estabelecer um estado fundamentalista cristão baseado nos dez mandamentos de Deus.
Fracassadas as suas ações e expulso do Uganda, o grupo passou a aterrorizar outros países vizinhos como Sudão e Sudão do Sul, República Democrática do Congo (RDC) e também o sudeste da República Centro-Africana (RCA).
Ernest Mizedjo, deputado na RCA, lembra as atrocidades que o grupo praticou na sua região de origem, no sudeste do país, entre 2008 à 2011. "Eles queimaram aldeias e torturaram os habitantes. Os agricultores já não podiam cultivar os seus campos, os caçadores já não podiam caçar e os pescadores já não podiam pescar. Violaram mulheres grávidas e raparigas". O nível de atrocidades cometidas pelo LRA na República Centro-Africana é enorme, acrescenta Mizedjo, mas não há números exatos sobre as vítimas.
Aubin Kottokpinzé, de 52 anos, escapou das mãos dos militares do Exército da Resistência do Senhor, que o capturaram em 2008, quando tinha 39 anos. "Raptaram-me, abusaram de mim e torturaram-me. Foi uma má experiência da qual nunca recuperei. Olha para mim: Eu sou apenas uma sombra do meu antigo eu. Pareço muito mais velho hoje do que sou", recorda.
Segundo as Nações Unidas, mais de 100.000 pessoas foram mortas pelo LRA em vários países. Estima-se também que entre 60.000 e 100.000 crianças foram raptadas e utilizadas como crianças-soldado. Mais de um milhão de pessoas foram deslocadas.
Onde está Joseph Kony?
O fundador do grupo, Joseph Kony, continua em fuga, apesar de, em 2005, o Tribunal Penal Internacional (TPI) tenha emitido um mandado internacional de captura.
Várias linhas operativas compostas por agentes americanos, soldados da ONU, oficiais da UA e membros dos exércitos oficiais dos países onde o LRA opera, procuram por Joseph Kony.
Mas acredita-se que este ainda continue vivo e a comandar o grupo a partir da parte incerta, defende Adolphe Agenonga, especialista em geopolítica na Universidade de Kinsangani, na República Democrática do Congo. "O que é certo é que o LRA está militarmente muito enfraquecido. Diz-se que o LRA tem apenas 200 a 1000 combatentes em pequenos grupos dispersos, presumivelmente sem contacto próximo com o comandante Joseph Kony."
Agenonga acredita ainda que "esta milícia tem vindo ultimamente a realizar apenas ataques esporádicos, cujo único objetivo é garantir a sobrevivência dos seus membros. Para garantir a sua própria alimentação."
Em entrevista à DW África, o deputado centro-africano Ernest Mizedjo acusa o grupo de se ter transformado num bando de traficantes de armas e marfim. “Eles contrabandeiam e comercializam armas através das fronteiras, especialmente fornecendo a outras milícias no nordeste da RDC. Também fazem contrabando e comércio de marfim contrabandeado do Sudão."
Retirada da República Centro-Africana?
Enquanto isso, da República Centro-Africana chegam relatos de que os soldados do Exército do Senhor se apresentaram às autoridades, sugerindo a sua própria desmobilização, segundo confirma à DW Judes Ngayakon, governador da região de Haut Mbomou. "Recebi recentemente uma delegação do LRA que me disse que estavam prontos para entregar as armas. Os seus combatentes querem voltar à vida civil", disse Ngayakon à DW.
Na capital da República Centro-Africana, aumentam rumores de que Joseph Kony também está disposto num acordo de cessar-fogo. Mas, para isso, exige ser envolvido num possível processo de paz e, alegadamente, também obter a nacionalidade da RCA, segundo confirmou a ministra da Ação Humanitária do país.
Quais as razões para esta mudança de atitude dos homens das LRA? Para o deputado Ernest Mizedjo, é provável que os combatentes LRA já estejam cansados. "Possivelmente também perderam o moral e talvez seja simplesmente o facto de já não terem um líder a guiá-los diretamente. Além disso, eles simplesmente não têm qualquer apoio. Qualquer rebelião necessita de um certo apoio por parte da população".
Rendição sim, mas os combatentes devem responder pelos seus atos em tribunais, defende Aubin Kottokpinzé, que há anos fundou a Associação de Vítimas do LRA, a que preside, na República Centro-Africana.
"Claro que somos a favor da retirada dos rebeldes ugandeses do nosso país, mas o nosso governo e a comunidade internacional devem estar à altura das suas responsabilidades e reconhecer o nosso sofrimento, o sofrimentos das vítimas. Queremos que os autores dos crimes sejam levados à justiça. Pedimos que nos apoiem na nossa busca de justiça no Tribunal Penal Internacional", afirma.