Exércitos privados fora de controlo em África
14 de abril de 2022A presença de grupos de mercenários em África tem aumentado nos últimos anos, como indica o mais recente estudo do Grupo de Investigação e Informação sobre Paz e Segurança (GRIP), sediado em Bruxelas, que aponta também para um crescimento da influência e poder destas empresas estrangeiras de segurança privada em cada vez mais países do continente.
Contratados para proteger líderes poderosos e as suas propriedades, assegurar investimentos estrangeiros e intervir em conflitos internos, geralmente sem preocupações relacionadas com a lei ou perdas humanas, os mercenários chegam a tornar-se "uma espécie de Estado dentro do Estado, ameaçando até a soberania dos países onde atuam", diz à DW a autora do estudo, Amandine Dusoulier.
"As empresas militares privadas têm uma longa história em África. Quer no Sahel, por exemplo no Mali, como na República Centro-Africana. E isto deve-se principalmente a dois fatores: em primeiro lugar, porque instituições governamentais em alguns países são fracas. E em segundo, por causa da riqueza dos recursos minerais do continente", explica Dusoulier.
Longa lista de acusações
A lista de acusações contra empresas de segurança privada é longa, sendo o grupo russo Wagner um dos que mais manchetes negativas faz a nível internacional, relacionadas com a violação de direitos humanos.
No entanto, este estudo do instituto sediado em Bruxelas dá conta também da presença de várias empresas privadas norte-americanas e europeias.
Estimar o número real de mercenários no continente continua a ser uma tarefa difícil uma vez que muitas destas empresas atuam clandestinamente, como nos explica Jade Andrzejewski, do Observatório Francês de Relações Internacionais (OERI).
"Estamos a falar de um setor que tem vindo a expandir-se muito rapidamente desde os anos 90. Não existe informação detalhada sobre as empresas militares privadas que operam a nível internacional e não é fácil para as ONG investigar este assunto", conclui.
A especialista lembra ainda que "houve mercenários em Angola e na Serra Leoa nos anos 90. Neste contexto, vale também a pena destacar países que contrataram recentemente estes serviços como a Guiné-Bissau, a Guiné, os países do G5 Sahel, como o Mali, a Mauritânia e o Níger e também o Sudão."
ONU e UA preocupadas
As críticas à atividade de mercenários em África têm aumentado nos últimos tempos. Tanto a Organização das Nações Unidas (ONU) como a União Africana (UA) dizem-se preocupadas com os abusos relatados.
Num relatório recente, o Grupo de Trabalho da ONU recordou as violações dos direitos humanos cometidas por empresas militares privadas em várias regiões do mundo, tais como os graves abusos cometidos pela empresa de segurança norte-americana Blackwater no Iraque em 2007, quando seguranças da empresa dispararam indiscriminadamente contra civis e mataram 14 pessoas, incluindo crianças.
Estas atrocidades fizeram manchetes internacionais e outras continuam a ser cometidas, especialmente em África, de acordo com o grupo de trabalho da ONU. "Em África, as actividades dos mercenários continuam a ser motivo de grande preocupação", disse na altura o seretário-geral da ONU, António Guterres,
No início de fevereiro, na Cimeira da UA, o chefe do Conselho de Paz e Segurança da organização, Bankole Adeoye, apelou inclusivamente à "exclusão total dos mercenários do continente africano".
Empresas militares mais conhecidas
Entre as empresas militares privadas mais conhecidas presentes no continente africano, para além do grupo russo Wagner russo, encontram-se as empresas americanas CACI e Academi.
Empresas de França (como por exemplo a Secopex), da Grã-Bretanha (Aegis Defence Services Ltd e G4S), da Ucrânia (Omega Consulting Group), da África do Sul (Dyck Advisory Group) e da Alemanha (Xeless) também estão ativas em África.
A Asgaard é outra empresa alemã de segurança privada que recruta principalmente antigos soldados e agentes da polícia da Bundeswehr para tarefas de segurança. Em África, esta empresa está principalmente activa em países como o Sudão, Líbia, Mauritânia ou Egito.