Fórum China-Africa: Uma mudança de paradigmas à porta?
3 de setembro de 2018Começou nesta segunda-feira (03.09.) em Pequim o Fórum de Cooperação China-África (FOCAC). A China é atualmente o parceiro mais atrativo para o continente africano por não se intrometer em questões políticas e principalmente emprestar dinheiro a taxas "aceitáveis" e sem muitos condicionalismos. Os países africanos, por seu turno, são criticados por darem contrapartidas que a longo prazo são insustentáveis ecologicamente. Mas o economista angolano Francisco Paulo acredita que este tema controverso estará em cima da mesa no encontro. Entrevistámos Francisco Paulo sobre as relações entre as partes:
DW África: A FOCAC continua a ser a "tábua de salvação" para muitas economias africanas. Que mudanças são esperadas desta plataforma cerca de 18 anos depois?
Francisco Paulo (FP): Acho que uma mudança de paradigma, porque a própria China reconhece que tem feito muito investimento em África em geral e tem conseguido muitos empréstimos. Mas também está preocupada, quer que os empréstimos conseguidos sejam aplicados realmente nas infraestruturas e que esses países tenham a capacidade de fazer o pagamento do serviço da dívida. Apesar da China conceder empréstimos a taxas de juros baixas em relação à instituições convencionais e não exigir pré-requisitos políticos ou demográficos requer que os países tenham a capacidade de pagar os empréstimos obtidos da China e que haja uma melhor cooperação. Acho que esse Fórum vai trazer uma mudança de paradigma porque o empréstimo chinês em África é elevado e acho que a China não quer que África tenha o empréstimo como se fosse um peso, como aconteceu durante muitos anos com os países do ocidente.
DW África: Os governos africanos são criticados por não oferecerem contrapartidas sustentáveis no que se refere aos recursos naturais, principalmente sob o ponto de vista ambiental. Acha que é desta vez que serão revistos os modelos de contrapartidas?
FP: Há toda uma necessidade, quer por parte da China quer por parte de África de fazer com que os produtos que a África exporta para a China não se limitem apenas à matéria prima, porque se não haverá um comércio desigual. África vai ganhar menos porque a matéria prima vai para a China e depois de transformada volta para África como produto acabado. E isso não é bom em termos de relações comerciais e os ganhos devem ser sentidos e mesmo em termos ambientais. Acho que nesse Fórum esse tema será discutida a necessidade de se debater a reindustrialização de África, fazer com que os produtos exportados tenham um maior valor agregado, que não sejam apenas matéria prima se não a relação não será sustentável e haverá esse sentimento de que alguém ganha mais do que o outro.
DW África: Antes do FOCAC Angola já estava em negociações com a China para a obtenção de mais um financiamento para a sua economia que está em profunda crise. Que mudanças espera que venham a ser feitas? O petróleo continuará a ser a principal moeda de troca para Angola?
FP: Penso que a maior mudança terá de ser feita pelo Governo angolano. Temos um novo Presidente, espera-se que os novos empréstimos que serão obtidos sejam aplicados realmente para projetos reestruturantes que serão capazes de dinamizar a economia nacional. Durante o Governo anterior o país obteve vários empréstimos da China para construir infraestruturas, mas hoje quase todas elas estão degradadas e precisam de ser reconstruídas menos de quinze ou vinte anos depois. E isso não pode acontecer porque estes empréstimos comprometem a futura geração. Acho que o Governo de João Lourenço tem em mente que esses novos empréstimos devem ser aplicados para que sejam rentabilizados não só económica, mas também socialmente.
DW Africa: Angola tenta obter um novo financiamento da China quando até 2017 devia cerca de 18 mil milhões de dólares a Pequim. Tomando em conta a elevada soma seria fácil Luanda obter um novo e grande financiamento que tanto precisa?
FP: Sim, repare que a China é o principal parceiro de Angola, quer ao nível das exportações e mesmo a nível de importações a China tem superado Portugal. Então, a China confia na capacidade de Angola reembolsar esses empréstimos e conhece o potencial dos recursos e não haverá dificuldades.