Governo de Moçambique e RENAMO avançam nas negociações
27 de janeiro de 2014O Governo moçambicano do partido FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), o maior partido da oposição, retomaram negociações, esta segunda-feira (27.01), três meses após o último encontro, tendo em vista o fim da crise político-militar.
“O encontro foi positivo, o espírito das duas delegações parece bom. Conseguimos acordar a questão da participação de terceiros, de observadores”, confirmou aos jornalistas Gabriel Muthisse, chefe adjunto da delegação do Governo moçambicano.
“De acordo com a agenda do dia, ficou claro que é importante a presença de mediação e observação”, disse por outro lado o chefe da delegação da RENAMO, Saimone Macuiane.
Próximo passo
Alcançado este primeiro consenso, Gabriel Muthisse define o próximo passo: “as duas partes vão sentar-se para definirem os critérios e os temas de referência de participação desses terceiros ou observadores”.
O chefe da delegação governamental entende não é altura para “ver quem perdeu ou quem ganhou neste debate”. “A nossa perspectiva é a de procurar engajar a RENAMO (…) para que ganhem os moçambicanos”, afirmou Gabriel Muthisse.
A presença de observadores e mediadores era uma exigência da RENAMO para avançar no diálogo, após 24 rondas negociais, iniciadas em maio de 2013, sem que fosse obtido qualquer consenso. Só nos três últimos meses, as duas partes realizaram 15 tentativas falhadas de diálogo.
Pelo que o representante da delegação da RENAMO entende que foi dado um passo em frente e que o “trabalho foi o mais rapidamente possível concluído para esta segunda-feira (27.01), na esperança que nos próximos dias haja desenvolvimento em relação a este trabalho”, disse Saimone Macuiane.
Paridade na CNE tem sido o principal obstáculo
O retorno à mesa de negociações deve-se, em parte, à pressão interna e externa. O analista político Silvério Ronguane acredita que, depois de quase ultrapassada a questão da composição da equipa de mediadores nas negociações, agora estão criadas condições para que se chegue a um consenso.
A paridade na composição da Comissão Nacional de Eleições (CNE) continua a ser a principal reivindicação da RENAMO e um dos impasses no diálogo. No entanto, “com as eleições autárquicas e os seus resultados, acredito que se deve ter relativizado muito o enfoque na questão da paridade”, avalia o analista político Silvério Ronguane.
“Parece que está a ficar cada vez mais claro para todos que a paridade pode não ser o problema principal e que o segredo da vitória, se calhar, não esteja muito ligado à paridade. E acredito que esta nova percepção pode abrir caminho para que haja cedências mútuas”, oberva o analista.
Silvério Ronguane acredita que, se por um lado, a FRELIMO está “a perceber que é preciso controlar os órgãos eleitorais para ganhar as eleições - o que tem feito -“, por outro, “é preciso fazer também algo mais substancial para voltar a ganhar as eleições e não só se concentrar na questão do equilíbrio da CNE”.
Ainda de acordo com o analista moçambicano, esta nova mudança de visão pode contribuir para que os dois lados sejam mais flexíveis na abordagem da questão da composição da CNE.
A despartidarização do Estado e a integração dos ex-soldados da RENAMO no exército moçambicano são outros pontos do impasse.
"Há elementos substantivos da RENAMO a ter em consideração para além da logística do diálogo”, adverte o analista político moçambicano Eduardo Sitoe que considera ainda que “os elementos críticos do diálogo” poderão ser tratados com a presença de observadores nacionais e internacionais.
Interesses económicos por baixo da mesa
Mas existe um outro lado da tensão que é pouco falado publicamente, a questão económica. A atual crise político-militar ganha expressão numa altura em que o país está numa fase de descoberta e exploração de recursos naturais.
O analista Eduardo Sitoe lembra, por exemplo, que a RENAMO sempre exigiu uma maior participação na área económica, mas nunca obteve resposta satisfatória tanto do Governo do ex-Presidente Joaquim Chissano como do atual chefe de Estado Armando Guebuza.
Uma exigência declarada nesse sentido seria paradoxal para a RENAMO, na opinião do analista político Silvério Ronguane: “parece-me que seria contraproducente e deselegante, para um líder político, exigir claramente, digamos, uma mina de carvão ou gás. Portanto, parece-me que este é um assunto que só pode ser tratado por baixo da mesa”.
No entanto, Ronguane não tem “dúvida nenhuma que se a RENAMO ganhar um maior espaço político, maior protagonismo, vai melhorar muito a sua performance económica”.
Eduardo Sitoe, por seu lado recorda que não há ligação direta entre a política e a economia. Mas o analista não descarta a possibilidade de interesses económicos serem um dos motivos do impasse.
“Em política nem todos os trunfos que são colocados em cima da mesa da discussão, são levantados no momento oportuno e no desenrolar dos debates. Mas eu não duvido que essa questão [económica], a qualquer momento, seja alvo de discussão. Portanto, esperemos para ver. Mas não é algo a ser descartado, sem dúvida nenhuma”, comenta o analista político moçambicano Eduardo Sitoe.
RENAMO alastra ações militares
Entretanto, o acordo foi alcançado numa altura em que a RENAMO está a reagrupar os seus homens em vários pontos do país e alastrou as suas ações militares, circunscritas numa primeira fase à zona centro, às regiões norte e sul do país.
Por outro lado, arranca na próxima sexta-feira (31.01) o recenseamento para as eleições presidenciais e legislativas marcadas para 15 de outubro próximo.
De lembrar que a RENAMO não participou nas recentes eleições autárquicas (20.11.13) e continua a condicionar a sua presença nos pleitos eleitorais à revisão da legislação eleitoral, tema quente em cima da mesa de negociações.
A expectativa é que a presença de terceiros no diálogo possa contribuir para conferir não só mais transparência no debate como também ajudar a ultrapassar os vários impasses.