África apressa-se a retirar os seus cidadãos da Ucrânia
4 de março de 2022Países africanos intensificaram esforços para evacuar os seus cidadãos da Ucrânia. A União Africana (UA) urgiu os governos a respeitar a lei internacional e a assistir todos os que estão a fugir à guerra na Ucrânia, após alguns estudantes levantarem preocupações acerca de discriminação nas fronteiras.
Embora muitos estudantes estejam de volta às suas famílias, muitos ficaram presos na Ucrânia e na fronteira polaca. Outros africanos escolheram ficar na Ucrânia, especialmente os que não têm licença de residência.
Países africanos que repatriaram cidadãos
O Zimbabué disse ter evacuado 118 estudantes para a Roménia, Hungria, Eslováquia e Polónia.
Cerca de 79 estudantes quenianos deixaram a Ucrânia após a invasão da Rússia e procuraram refúgio em países vizinhos como a Polónia, Roménia e Hungria.
No entanto, segundo as autoridades quenianas, apenas um estudante regressou ao Quénia. O Governo do Presidente Uhuru Kenyatta afirmou que está a coordenar a evacuação de muitos outros estudantes de várias cidades da Ucrânia.
A Nigéria disse que 256 dos seus cidadãos deixaram a Ucrânia. A Gâmbia disse que está a coordenar com Marrocos e a Nigéria a possível evacuação dos seus cidadãos.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Tanzânia disse que 38 estudantes na Ucrânia tinham atravessado para a vizinha Polónia, e funcionários nas embaixadas da Tanzânia na Alemanha e na Suécia estavam a supervisionar o repatriamento de todos os tanzanianos ainda presos dentro da Ucrânia.
Um site de notícias de Abidjan informou que a ministra dos Negócios Estrangeiros da Costa do Marfim, Kandia Camara, realizou uma reunião com enviados da UE, dos EUA e do Reino Unido para procurar o seu apoio na evacuação dos costa-marfinenses da Ucrânia.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Guiné afirmou ter criado uma unidade de crise para ajudar a coordenar a evacuação dos seus cidadãos da Ucrânia.
Fronteiras "caóticas"
Princilla Ayealey Adjar, de 23 anos, veio do Gana e passou quase cinco anos a estudar medicina em Chernivtsi, no Oeste na Ucrânia. Adjar disse à DW que teve de andar muitos quilómetros até ficar segura.
"Saímos do autocarro, e tivemos de caminhar mais de uma hora e meia, e foi assim que chegámos à fronteira, que já era caótica", disse Adjar.
"Havia tanta gente: ucranianos, ganenses, nigerianos, zimbabueanos, etíopes, egípcios, indianos; toda a gente tentava encontrar o seu caminho para fora do país", disse ela, ao recordar a desafiante viagem.
A 1 de março, Adjar e 16 outros estudantes, que chegaram à fronteira romena e outros pontos de passagem, foram evacuados para a capital ganesa, Accra, para se reunirem com as suas famílias.
Segundo as autoridades ganesas, o primeiro grupo de estudantes chegou em voos separados operados pela Qatar e pela Turkish Airlines e fazem parte de cerca de 527 ganeses que tinham atravessado em segurança a fronteira ucraniana para os vizinhos: Roménia, Polónia, Moldávia, Hungria e República Checa.
O pai de Princilla, Samuel Adjar, disse à DW que toda a família "está tão entusiasmada que ela tenha conseguido regressar a casa em segurança". No entanto, Adjar disse que o Governo deveria dar prioridade à evacuação daqueles que ainda se encontram retidos na Ucrânia.
"Ainda lá temos os nossos filhos, e estamos a rezar para que todos eles tenham a oportunidade de regressar em segurança às fronteiras e depois, eventualmente, a casa", disse ele.
Por agora, Princilla Adjar sente-se com sorte por estar de volta ao Gana, mas as suas preocupações ainda não acabaram.
"Estamos preocupados por não voltarmos à escola tão cedo. A Rússia está agora a visar infra-estruturas importantes, e não sei se os nossos edifícios escolares serão poupados. Portanto, é bastante preocupante", disse ela.
Gana promete acelerar evacuações
A ministra dos Negócios Estrangeiros do Gana, Shirley Ayorkor Botchwey, disse que Accra tinha evacuado pelo menos 500 nacionais.
"Estamos empenhados em fazer tudo o que é possível para assegurar que todos os nossos nacionais na Ucrânia e aqueles que saíram com sucesso do país possam evitar danos e viajar de volta para casa, se assim o desejarem", disse Botchwey aos repórteres.
A ministra instou os pais e outras famílias a partilharem informações sobre os seus familiares ainda dentro da Ucrânia, e as suas localizações, para que as autoridades possam planear a sua evacuação.
O Gana é o primeiro país africano a evacuar com sucesso a maioria dos seus cidadãos da Ucrânia. De acordo com Botchwey, espera-se que centenas de ganeses regressem a casa nos próximos dias.
Mais de 2.000 ganeses atravessaram em segurança vários pontos de fronteira da Ucrânia para os países vizinhos.
No entanto, apesar dos esforços para evacuar os estudantes africanos, alguns ficaram para trás, independentemente das preocupações de segurança.
Por exemplo, de acordo com o jornal estatal angolano Jornal de Angola, os angolanos que tinham migrado irregularmente para a Ucrânia recusaram-se a ser evacuados. O relatório dizia que os imigrantes angolanos receavam que as autoridades ucranianas os impedissem de regressar ao país.
UE apela a "mesmas oportunidades" para africanos
Esta quarta-feira (02.03), o chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, disse que os africanos devem ter o mesmo acesso a oportunidades iguais para saírem da Ucrânia.
"A mensagem de Dmytro Kuleba (ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia) é clara e precisa: os africanos que tentam sair da Ucrânia devem ter acesso às mesmas oportunidades para regressarem aos seus países de origem em segurança", escreveu Borrell no Twitter.
"Os africanos que procuram sair do país são nossos amigos e devem ter as mesmas oportunidades para regressarem aos seus países de origem", pelo que "o Governo da Ucrânia não se poupará a esforços para resolver o problema", adiantou Dmytro Kuleba.
Estudantes caminham durante horas para escapar
Ana Luis é apenas outro exemplo de uma estudante que teve de caminhar durante horas para tentar escapar.
"Foi horrível. Levarei trauma deste episódio",revela a estudante, acrescentando que para chegar à linha da fronteira com a Polónia teve de caminhar cerca de 40 km à pé, debaixo de um frio intenso.
"Começamos a caminhar por volta das 11horas e só chegamos à fronteira cerca das 20 horas locais. E consegui passar a fronteira era por volta das 4 horas da madrugada", conta Ana.
Durante o pânico para escapar, Ana diz que "há muita discriminação racial".
Os ucranianos parecem passar à frente dos africanos nas filas para os comboios, mas o estudante angolano Manuel Assunção parece compreender.
"Assistimos os tanques de guerra a passar e as bombas a caírem é normal que as pessoas fiquem tensas. E o ucraniano é patriota. Permitiram os ucranianos passarem e porque os africanos também queriam passar ao mesmo tempo houve confusão”, descreve Assunção.
Sem apoio de Luanda
A DW contactou nesta terça-feira (01.03) a Embaixada de Angola em Varsóvia, para saber que tipo de apoio os serviços consulares estão a prestar aos seus cidadãos. Mas a representação diplomática, no entanto, não deu as explicações desejadas, avisando que "qualquer informação sobre a matéria deverá ser transmitida pelo Ministério das Relações Exteriores da República de Angola".
Manuel Assunção reafirma que as notícias de que o Governo angolano terá apoiado financeiramente a retida dos angolanos da Ucrânia, não correspondem à verdade.
"Pedimos apoio, mas não chegaram nenhuns apoios. Mas era urgente. Aqui tem guerra de verdade. Neste momento as cidades da Ucrânia estão ameaçadas. E todo o mundo quer saír daqui", afirma Assunção.
Também a União Africana se pronunciou desapontada com os relatos de racismo e apelou a que os cidadãos africanos sejam tratados como iguais e que os deixem escapar do conflito, como prevê a lei nacional.