Bissau: Oposição e sociedade civil "com medo" de criticar
9 de maio de 2023Em vésperas do início da campanha eleitoral rumo às eleições legislativas na Guiné-Bissau, o ataque contra o comentador político Fransual Dias levanta o receio de uma possível violência eleitoral. Vários setores da vida pública falam em ameaças constantes contra as liberdades fundamentais, que põem em causa o jogo democrático.
Fransual Dias, que era representante das pessoas portadoras de algum tipo de deficiência no conselho de Estado, demitiu-se nesta terça-feira (09.05) do órgão de consulta do Presidente.
Em declarações aos jornalistas, também esta terça-feira, o chefe de Estado guineense insurgiu-se contra a violência no país. Umaro Sissoco Embaló diz que condena o ataque de que Fransual foi alvo.
A campanha eleitoral começa oficialmente no próximo sábado (13.05). Mas, tanto os partidos políticos da oposição, como as organizações da sociedade, temem pela violação dos direitos humanos ou liberdades políticas, disse Guerry Gomes Lopes, do Fórum das Organizações da Sociedade Civil da África Ocidental.
DW África: Com estes ataques, que retrato faz do ambiente político que se vive no período pré-eleitoral na Guiné-Bissau?
Guerry Gomes Lopes (GGL): Neste momento, estamos a viver um ambiente político muito tenso. Há uma clara tentativa de colocar barreiras à liberdade de expressão e de imprensa. O caso mais recente de violação dos direitos fundamentais e de liberdade de expressão é o caso de Fransual Dias, que é um dirigente político do Partido da Renovação (PRS), membro do Conselho de Estado e advogado. Foi atacado [com disparos de armas e incendiaram-lhe o carro] sem a certeza da parte da população de que os organizadores dos tais atos serão trazidos à Justiça, tendo em consideração os sucessivos atos e casos semelhantes que têm acontecido no país nos últimos tempos.
DW África: O Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, acaba de dizer que este caso será investigado e os responsáveis não ficarão impunes. Acredita que é desta?
GGL: Há vários casos idênticos que aconteceram. Há, de facto, uma declaração das entidades competentes de que haveria investigação desses casos, mas até hoje não se ouve falar de um caso em que o autor foi levado à justiça. Então, neste momento, independentemente da declaração do Presidente da República, não há uma certeza da nossa parte, da parte da população, de que haverá uma investigação séria do que aconteceu com o Fransual Dias.
Vamos para eleições sem a certeza da segurança e do respeito pelos direitos fundamentais. E perante estes cenários, torna-se difícil afirmar que o processo eleitoral vai garantir o respeito pelos direitos humanos, sobretudo pela liberdade de expressão e liberdade de imprensa que, do ponto de vista dos princípios democráticos, são pilares cruciais para se considerar umas eleições justas, livres e transparentes.
DW África: Mas essas ameaças vêm da parte de quem?
GGL: Se formos analisar os atos antecedentes dos ataques, sempre que há uma declaração crítica ao regime no poder, acontece um ataque a esse indivíduo. Não se pode afirmar categoricamente que esses ataques são da responsabilidade de um titular do órgão de soberania ou das forças de Defesa e Segurança. Mas as vítimas têm sempre acusado as forças de segurança, sobretudo o ministério do Interior. O mais importante aqui é que o Governo tem uma responsabilidade. O ministério do Interior tem a responsabilidade de garantir segurança aos cidadãos e não tem assumido essa responsabilidade.
DW África: Concorda que os partidos políticos da oposição têm medo de se posicionar? Até a sociedade civil tem um certo receio de promover protestos de rua por causa destas ameaças?
GGL: Claro. Com a restrição da liberdade de expressão e de imprensa não se pode falar de eleições livres, justas e transparentes ou de eleições onde as pessoas terão a capacidade de participar efetivamente. E com todas estas restrições, ameaças e ataques, é claro que as liberdades das pessoas serão restringidas. Neste momento estão restringidas, tanto a dos políticos, como as da sociedade civil. Sentimos, de facto, que estamos muito limitados em termos de poder intervir, de chamar a atenção ou de criticar o que quer que seja que acharmos pertinente de ser considerado como ato que possa pôr em causa os princípios democráticos.
Mas a sociedade civil está a fazer o seu trabalho. Por isso é que, neste momento, através do Espaço de Concertação, através de diferentes entidades, estão-se a criar espaços de diálogo político, na tentativa de baixar a tensão. Está-se a fazer pressão para que as entidades competentes assumam a sua responsabilidade, nomeadamente o Governo. Mas não só o Governo, também o Poder Judicial tem uma responsabilidade nisso. Nós sabemos que, neste momento, não se pode falar de tribunais independentes, porque há todo um conjunto de indicadores que preocupam bastante a sociedade civil. Mas acreditamos que, durante este processo, que é crucial, é um processo extremamente importante para a vida do país, essas entidades vão trabalhar com rigor, exigindo o cumprimento da lei, exigindo o cumprimento das etapas do processo, exigindo o respeito pelo Estado de Direito democrático a todos e a todas as entidades envolventes do processo eleitoral.