Moçambique: "A transição energética é irreversível"
2 de maio de 2022As oportunidades e desafios da transição energética em Moçambique estiveram em debate, a semana passada, em Maputo, num evento promovido pelo Centro Para Democracia e Desenvolvimento (CDD).
Em entrevista à DW África, Américo Maluana, investigador do CDD, afirma que o gás é uma ponte para a transição energética no país, uma vez que, no "quadro dos combustíveis fósseis, apresenta-se como uma fonte de energia relativamente limpa quando comparada com as outras".
Para Maluana, é imperativo que Moçambique "use a experiência da exploração do carvão para não repetir os mesmo erros", pois, frisa, "o carvão não promoveu o desenvolvimento que se esperava". Por outro lado, o gás "é a única aposta que Moçambique tem para abrir uma nova página rumo ao desenvolvimento", assevera o investigador.
DW África: É o gás a ponte para a transição energética em Moçambique?
Américo Maluana (AM): O gás acaba por ser uma ponte para a transição energética em Moçambique, porque há uma dimensão dupla que deve ser olhada. O que nós verificamos é que no quadro dos combustíveis fósseis, o gás apresenta-se como uma fonte de energia relativamente limpa em comparação com outras fontes.
DW África: O gás é ainda considerado uma "energia limpa", mas poderá deixar de o ser… Neste contexto, deverá Moçambique canalizar os ganhos provenientes da exploração deste recurso para a produção de energias renováveis?
AM: Sim, é uma aposta acertada, porque a janela de exploração dos combustíveis fósseis tende a ficar cada vez mais estreita, o que significa que o país é desafiado a tomar decisões cada vez mais estratégicas, para que a agenda da transição energética não comprometa os objetivos do desenvolvimento do país. Isso passa necessariamente, por exemplo, por usar os recursos provenientes do gás para aumentar o nível de expansão e acesso à energia elétrica. Estamos a discutir sobre transição energética num contexto de precariedade, em que parte significativa da população - cerca de 60% - não tem acesso a energia elétrica. A transição energética deve seguir numa lógica inclusiva, no sentido de não deixar ninguém para trás. Isso passa necessariamente por criar condições para que o gás sirva como mecanismo de industrialização do país.
DW África: No evento da semana passada, o Governo moçambicano descartou, para já, a renúncia da exploração do carvão. Concorda que ainda não estão criadas as condições para esta renúncia?
AM: É um desafio e é uma questão ligada à aposta no desenvolvimento do país dos últimos anos. O que eu posso destacar é a necessidade do país usar a experiência de exploração do carvão, justamente para não repetir os mesmos erros que marcaram este processo, com o processo que se avizinha que é o processo de exploração do gás natural. Em relação ao carvão, existiam avultadas expectativas de desenvolvimento. Mas o que se verifica é que o carvão não promoveu o desenvolvimento que se esperava. Agora, é o combustível fóssil mais combatido a nível internacional. Por mais que o país seja relutante em abandonar o carvão, o mercado internacional - devido às políticas e às metas ambiciosas em termos climáticos - vai reduzir os ganhos que obtém da exploração do carvão. O gás é a única aposta que Moçambique tem para fazer da pobreza história e abrir uma nova página rumo ao desenvolvimento.
DW África: Quais as principais conclusões do relatório do CDD sobre a perceção da transição energética em Pemba? Como é que a população está a receber o debate sobre este tema quando há ainda tantos moçambicanos sem acesso a energia?
AM: O que nós constatamos, de uma forma geral, é que há um fraco nível de conhecimento sobre questões ligadas à transição energética. Por outro lado, o contexto humanitário em que Pemba se encontram traz-nos prioridades mais altas, o que leva a concluir que a transição energética não é necessariamente uma prioridade para os cidadãos.
A transição energética é irreversível. É necessária adoção de uma política ou de uma estratégia nacional. Uma decisão estratégica que seria fundamental neste processo de planeamento macroeconómico seria usar as receitas do gás para expandir o acesso à energia, justamente para fazer face a esses desequilíbrios que existem no acesso à energia. Esperam-se avultadas receitas. O Banco de Moçambique estima cerca de 96 mil milhões de dólares provenientes da exploração destes recursos. Trata-se de recursos que podem ajudar neste processo.
Por outro lado, é necessário usar o gás para produzir energia. Em relação a esse aspeto, já temos em Moçambique a vantagem de a própria lei de petróleos exigir que se garanta uma percentagem de pelo menos 25% do gás que é produzido para o mercado interno. Entretanto há aquela prerrogativa de esta parcela poder ser disponibilizada caso haja projetos para consumir tais recursos. Portanto, o país precisa de preparar-se ainda mais para fazer face a estes desafios.