HRW: Exército de Moçambique executa e viola em Tete
23 de fevereiro de 2016A organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) diz ter ouvido dezenas de relatos de refugiados no Malawi, que acusam as forças armadas na província central de Tete de execuções sumárias, abusos sexuais e maus-tratos.
"Chocou-me particularmente o caso de uma mulher que contou que um alegado soldado, vestido com o uniforme das forças armadas de Moçambique, lhe disse: 'foge'. Ela fugiu, foi esconder as crianças debaixo de uma ponte e, quando regressou, o marido tinha sido morto. Este é apenas um caso", afirma Zenaida Machado, uma pesquisadora da organização.
Segundo um comunicado da HRW divulgado esta terça-feira (23.02), outra testemunha contou que viu soldados a fazer cortes, com uma "faca de grande dimensão", na cabeça de um homem, que acusavam de pertencer ao grupo armado do maior partido da oposição, a RENAMO. Um refugiado disse que chegou ao Malawi "só com a roupa do corpo" depois de soldados incendiarem a sua casa e tudo o que tinha.
Desde o final do ano passado, mais de 6.000 pessoas fugiram de Moçambique para o vizinho Malawi, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Foram obrigadas a sair das suas casas após confrontos na região entre as forças de segurança e homens armados do maior partido da oposição, a RENAMO. Agora, temem regressar.
É preciso investigação urgente, diz HRW
Em janeiro, um refugiado disse à DW África que só voltaria a Moçambique quando cessasse a tensão política: "Fugimos porque as nossas casas foram incendiadas. Muitas pessoas foram mortas e mulheres estão sendo violadas." Na altura, o comandante-geral da Polícia da República de Moçambique, Jorge Khalau, rejeitou que as forças de defesa tivessem atacado civis na região. "Não é verdade que eles estão a fugir da polícia. Eles estão a fugir desta barbaridade, desta situação de rapto que a RENAMO está fazendo."
A Human Rights Watch advoga, no entanto, que é preciso investigar "com urgência" as acusações dos refugiados. "O que as pessoas nos disseram é que quem está a cometer abusos eram homens das Forças Armadas de Defesa de Moçambique [FADM]. Até usam um termo para se referir a eles: 'FADemo'", afirma Machado.
A pesquisadora considera que, hipoteticamente, pode até haver casos de raptos da autoria de homens armados da RENAMO. "Mas quando se coloca uma acusação grave como essas, de que estão a fugir da região por abusos, seja de soldados de Moçambique, seja de soldados da RENAMO ou de qualquer homem armado em território moçambicano, é da responsabilidade do Governo proteger essas pessoas."
A DW África tentou ouvir o Ministério da Defesa moçambicano sobre as acusações, mas não foi possível obter uma reação esta terça-feira.
"Medo fundado" que é preciso analisar
Esta semana, o Executivo moçambicano anunciou a criação de um plano de desenvolvimento integrado, que incluiria a construção de infraestruturas básicas e permitiria evitar a fuga de pessoas para o Malawi.
Segundo Maputo, ainda é necessário analisar as causas reais da saída dos moçambicanos. Sem comentar o comunicado da Human Rights Watch, o diretor do Instituto Nacional de Apoio aos Refugiados (INAR) sublinhou que este é um problema complexo que exige "rigor" e "ponderação na atuação". Adérito Matangala já se encontrou com os moçambicanos no Malawi: "Não se falou claramente de um confronto como tal. O que se fala é de um medo fundado. E quando há esta nuvem de medo é preciso, antes de tudo, dissipá-la."
"O convite que formulámos é de prontidão do Governo para assistir estas pessoas a retornarem aos seus locais de origem para se juntarem aos demais que estão aqui no interior", afirmou Matangala em entrevista à DW África. "Estamos a falar de locais onde o universo populacional é de 9.000 pessoas. Se temos este universo populacional, significa que há condições para as pessoas residirem aqui."
Confrontos não cessam
No entanto, não há uma solução à vista para os confrontos na região e muitos refugiados preferem ficar no Malawi, apesar de estarem a viver em condições precárias. A maioria está concentrada num centro de acolhimento, na localidade de Kapise. O afluxo constante de pessoas tem dificultado o abastecimento de água e há poucas latrinas para tanta gente, de acordo com organizações humanitárias. Teme-se o alastramento de doenças como a cólera ou a malária.
"É preciso mobilizar um conjunto de meios para ajudar estas pessoas", diz Zenaida Machado, da Human Rights Watch. "Entendemos a posição do Governo moçambicano de que é preciso levar as pessoas para territórios seguros dentro de Moçambique, mas aqueles refugiados não podem ser repatriados forçosamente." A pesquisadora diz que é "importante" que as autoridades do Malawi concedam o estatuto de refugiado a todos os que não quiserem regressar a casa. Só assim o ACNUR poderia fazer o seu trabalho e pedir ajuda internacional, conclui.