Inhambane: Jovem obrigado a casar com cadáver
20 de junho de 2017Um jovem foi forçado a fazer o "lobolo” com um cadáver - por sinal, a mulher com quem vivia maritalmente há cerca de um ano -, em Moçambique. A vítima perdeu a vida no hospital provincial de Inhambane, na madrugada do último domingo (18.06), na sequência de complicações no parto.
Lucas Fernando, o jovem viúvo, foi ainda obrigado a pagar uma multa de 48 mil meticais (cerca de 700 euros) à família da mulher. Faela Fernando, irmão do noivo, contou à DW África que recebeu uma lista de bens necessários para o casamento. "Temos lista de "lobolo”, fato do pai, do avó, tudo. Eles obrigaram até comprar véu e roupas para a mulher ser enterrada”, explica Faela Fernando.
O casamento oficial obrigatório depois da morte da mulher estava agendado para o dia 15 de dezembro deste ano. O ato seria realizado na campa da malograda, no entanto, o jovem viúvo e a família da mulher em causa chegaram a um acordo - não se realizará casamento, mas ainda assim, Lucas Fernando terá que pagar a multa exigida pela família. "Mas, [até agora], conseguimos apenas 10.500 meticais. Ainda estão 37 mil por pagar. Eles [a família] disseram que eu tinha que declarar o dia do pagamento”, explica Lucas Fernando, dando conta de que terá assim que entregar até 15 de dezembro, dia em que se realizaria o casamento, o valor em falta.
A cerimónia de "lobolo” é um casamento tradicional que, nesta região [Inhambane], tem mais valor que o registo oficial, no qual o genro é obrigado a pagar um determinado valor - de dote -, previamente marcado pelos pais da esposa. Segundo Zahara Chirrafu, residente de Inhambane, esta é uma prática muito usual na região sul de Moçambique. "Em termos tradicionais, o "lobolo” é que tem mais peso. Por essa razão, quando se perde a vida –neste caso, a mulher – exige-se o "lobolo” da cova. Isso acontece muito mais quando se transgride. Por exemplo, quando uma criança sai de casa o genro não vai se apresentar. É frequente aqui em Inhambane".
Prática recorrente mas ilegal
Na semana passada, um outro caso semelhante aconteceu no distrito de Massinga, em Inhambane. Um jovem abandonou o cadáver da sua mulher na via pública depois dos pais desta lhe terem exigido o "lobolo” antes do enterro. O jovem continua desaparecido, por isso, os familiares da vítima tiveram que a enterrar sem o ”lobolo”.
Carlos Velaz, Conservador dos registos e notariados em Inhambane, afirmou à DW que esta é uma prática ilegal. Como explica este responsável, "o código do registo civil e a própria lei de família impõem que só se pode celebrar um casamento com uma pessoa viva. As pessoas que são obrigadas a ter que seguir estas práticas também devem recusar-se, porque a lei não o permite”.
Depois do pagamento do "lobolo”, em caso de morte da sua esposa, o homem pode receber outra mulher em troca. Zahara Chirrafu, residente de Inhambane, explica que, nos casos em que as famílias que receberam o "lobolo” têm uma filha mais nova, "esta é levada ao cunhado para substituir a irmã”.