Investigação DW: Não há "cadáveres em movimento" em Busha
6 de abril de 2022Desde o fim de semana que circulam imagens da destruição na cidade de Busha, nos arredores de Kiev, onde estiveram tropas russas. Numa delas vê-se uma rua repleta de cadáveres, espalhados pelo chão. As vítimas não usam uniformes militares. Algumas estão amarradas. Após a divulgação de vídeos pelo Exército ucraniano nos dias 1 e 2 de abril, jornalistas de vários meios de comunicação internacionais também estiveram na região e reportaram sobre as mortes.
As tropas russas que estiveram em Busha são acusadas de executarem sumariamente civis. O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, falou em "genocídio"; o chanceler alemão, Olaf Scholz, condenou "os crimes das forças de segurança da Rússia", e o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse ter ficado "profundamente chocado" com as imagens.
Ao mesmo tempo, circula nas redes sociais a acusação de que as cenas de Busha não passam de uma encenação, algo repetido também pelo Governo russo nos últimos dias.
O Ministério da Defesa da Rússia escreveu na rede social Telegram que os vídeos são uma "produção encenada" e uma "provocação". A embaixada russa em Berlim insistiu que as imagens de Busha são "mais uma encenação do regime de Kiev para a imprensa ocidental". A porta-voz do Ministério do Exterior russo, Maria Zakharova, chegou a dizer que sabe que os Estados Unidos da América e a NATO supostamente encomendaram os vídeos para culpar Moscovo.
Encenação? Não há provas
Contudo, as instituições russas não fornecem provas para essas alegações. Perfis pró-Rússia propagam a narrativa nas redes sociais de que tudo não passa de uma grande mentira: atores teriam sido posicionados nas ruas para parecerem corpos. A prova estaria num dos vídeos que mostram os mortos numa rua em Busha.
Esta é uma das alegações: um utilizador de uma rede social afirma que um dos corpos do lado direito do vídeo teria movimentado o braço. Outro pergunta sarcasticamente se um cadáver pode mexer a mão e outro levantar-se. "Estão a brincar?", questiona.
De acordo com a investigação da DW, esta alegação é falsa.
No vídeo citado, não dá para ver um corpo a estender o braço ou um dos cadáveres a levantar-se repentinamente. A DW verificou as duas alegações e localizou a área onde as imagens foram gravadas – a rua Yablunska, em Busha. Alguns edifícios aparecem em imagens do "Google Street View" feitas em 2015, outros parecem ter sido construídos posteriormente. O veículo de onde o vídeo foi gravado seguia para nordeste.
A primeira alegação seria de que um dos corpos à direita do vídeo teria mexido a mão. Realmente parece que há algo que se move à medida que a imagem se aproxima do corpo, porém, não se trata de uma mão. Análises de imagem feitas pela DW mostram que se trata de uma gota de chuva no para-brisas do carro onde está a ser feita a gravação. Essa gota move-se para cima devido ao vento contrário, dando a impressão de movimento. Outra versão do vídeo, filmada em melhor qualidade, mostra claramente que se trata de uma gota de chuva e não de um movimento de mão.
Dirk Labudde, médico legista forense e professor da Faculdade de Mittweida, analisou as imagens. Após separar os frames do vídeo, o especialista constatou que se trata "meramente de um artefacto no para-brisas do veículo de onde está a ser feita a filmagem que aparece em todos os frames". Depois de uma "análise detalhada, não foi identificado qualquer movimento de uma pessoa".
Corpo move-se? É uma ilusão ótica
A outra alegação seria de que um corpo se levanta depois da passagem do carro de onde está a ser feita a filmagem. O movimento teria aparecido no espelho retrovisor do veículo. Trata-se, mais uma vez, de uma falsa interpretação. A análise feita pela DW mostra que o corpo continua no chão.
A combinação do movimento do carro com um movimento da câmara para a frente explica essa falsa interpretação. O espelho retrovisor possui uma curvatura que aumenta o campo de visão. Ao reproduzir o vídeo lentamente vê-se que o corpo permanece na mesma posição, até mesmo na imagem gravada no retrovisor. Também é essa a conclusão de Labudde.
"Percebe-se uma alteração na imagem no espelho devido à mudança de perspetiva da câmara, da curvatura desigual do retrovisor e da distorção do reflexo gerada por isso. Essa alteração dá a impressão de que o corpo que aparece no retrovisor se move. Essa alteração, porém, é coerente com os pontos imóveis ao redor do corpo. Isso indica que não houve nenhum movimento efetivo desse corpo enquanto a câmara estava a gravar", explica o especialista.
Corpos em imagens de satélite
Uma investigação do jornal norte-americano The New York Times, com base em imagens de satélite da empresa Maxar, revelou ainda que os corpos estão desde 19 de março nas ruas de Busha, e em alguns casos, como na rua Yablunska, aparecem nas imagens desde 11 de março.
Comparando as imagens de satélite de 19 de março com o vídeo de 2 de abril, nota-se que os corpos estão na mesma posição. Isto contradiz claramente a alegação da Rússia de que os corpos apareceram nas ruas depois da retirada das tropas russas a 30 de março.
Esta não é a primeira vez desde a invasão da Ucrânia, a 24 de fevereiro, que a Rússia nega acusações de supostos crimes de guerra e alega que provas para tais atos seriam falsas.
Moscovo também classificou as imagens do ataque a uma maternidade em Mariupol como encenação. O ataque e as suas consequências para a população civil foram documentados em detalhe desde então. Já o Governo russo não forneceu qualquer prova para a alegada encenação.
Tatjana Schweizer contribuiu para este artigo.