Kerry termina visita a Angola com elogios a parceiro “muito importante”
5 de maio de 2014O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, terminou esta segunda-feira (05.05) uma visita oficial de dois dias a Angola. Em Luanda, afirmou que o país é um parceiro "muito importante" para os Estados Unidos e elogiou Angola na “liderança e participação” nos esforços do continente para por fim aos conflitos em África.
As declarações foram feitas já depois de se ter reunido com o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, com quem debateu o reforço das relações bilaterais e o papel de Angola na África Central.
O papel de Angola na presidência rotativa da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos nos próximos dois anos e os interesses dos Estados Unidos no país são a principal razão que levam John Kerry a tecer amplos elogios a Angola na sua visita ao país.
“Um tema importante é a questão dos Grandes Lagos. Essa é a grande novidade”, afirma Paulo Gorjão, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS), que salienta o papel do país na região e lembra os “muitos elogios” que Angola tem recebido.
“Na República Democrática do Congo é conhecida há muitos anos o papel influente que Angola tem. E ligaria esta questão à própria candidatura de Angola a um dos lugares não permanentes do Conselho de Segurança da ONU”, para o biénio de 2015-2016, acrescenta o investigador.
“E Angola terá seguramente uma palavra a dizer nessa altura em matérias que dizem respeito a África”, defende Paulo Gorjão, lembrando que estes temas não desaparecerão da agenda até ao final deste ano.
Interesses económicos em foco
Por outro lado, os interesses económicos bilaterais terão levado o líder norte-americano a viajar até Luanda para terminar a visita que o levou também à Etiópia, República Democrática do Congo e Sudão do Sul.
“Angola sempre teve em empresas norte-americanas parceiros, mesmo quando as relações entre o MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola] e os Estados Unidos eram inexistentes ou más”, lembra Paulo Gorjão.
Segundo o analista, nos últimos dez aos, as relações entre os dois países deram “um salto enorme do ponto de vista qualitativo” e essa é uma realidade que veio para ficar. “Durante muito tempo, essas relações económicas centraram-se muito na componente energética. Os Estados Unidos são um importador importante do petróleo angolano e essa realidade continuará, apesar de a própria realidade energética norte-americana estar a mudar”, observa.
Mas há ainda outros interesses. “Eventualmente poderá haver vendas de um ou dois aviões, eventualmente da Boeing a Angola. John Kerry traz um pacote financeiro para suportar o aprofundamento das relações bilaterais entre os dois países”, revela o investigador.
Direitos humanos não são prioridade
Apesar das críticas da Human Rights Watch, que apelou ao secretário de Estado norte-americano John Kerry para se preocupar com a "violação de direitos humanos", o líder norte-americano pouco se centrou na questão.
Segundo Paulo Gorjão, a questão não é olhada pelos Estados Unidos como uma prioridade. “Os países ocidentais têm por regra, uma opinião relativamente crítica – ou pelo menos um pouco crítica - relativamente a alguns aspectos de Angola na questão dos direitos humanos, mas o que é um facto é que, nomeadamente na Comissão de Direitos Humanos, Angola não é um recorrente violador de direitos humanos. E, portanto, essa questão tem sempre mais empolamento na sociedade civil e nos media do que propriamente no plano político”, explica.
O secretário de Estado norte-americano defendeu ainda que Angola está empenhada em melhorar o nível de vida dos angolanos. Algo que o investigador do IPRIS defende que é visível nos “investimentos maciços na área das infraestruturas um pouco por todo o Estado angolano”.
Desse ponto de vista, defende, parece “indiscutível que há desde o final da guerra civil há uma vontade de melhorar as condições, de fazer investimentos na área das infraestruturas. Por outro lado, explica, “evidentemente que esta realidade convive com uma realidade em que Angola tem elevados níveis de corrupção, com muito ainda para fazer, com queixas de natureza diversa”, explica.
Na visita a Luanda, o secretário de Estado norte-americano John Kerry salientou que o objetivo dos Estados Unidos não se circunscrevem aos negócios, mas também à construção de uma parceria para o futuro com o país e continente.
O político frisou que África é um continente em mudança, já que oito das dez economias que mais crescem no mundo estão neste continente.
“Vozes descontentes” fora da agenda
Após a sua chegada a Luanda, John Kerry manteve encontros com a comunidade empresarial norte-americana em Angola. Esteve reunido com seu homólogo angolano, Georges Chikoti, e com o ministro das Finanças, Armando Manuel. Foi também recebido pelo Presidente angolano, José Eduardo dos Santos.
Quem não teve oportunidade de falar com o chefe da diplomacia norte-americana foram os jovens membros do denominado movimento revolucionário.
Teca Pedrowski, um dos membros do movimento, contou à DW África que contactaram a Embaixada norte-americana para tentar marcar uma audiência com John Kerr, mas a resposta foi não, porque o secretário de Estado já tinha uma “agenda apertada”. “Isso demonstra que não há abertura, não há oportunidades para as vozes descontentes”, lamenta Teca Pedrowski.
Esta visita de Kerry enquadra-se numa ofensiva diplomática do executivo angolano. Recorde-se que na semana passada o chefe de Estado de Angola foi recebido em França, ao mais alto nível, assim como no Vaticano. Teca Pedrowski lamenta que as relações políticas se orientem cada vez mais por interesses económicos. Os Estados Unidos não constituem exceção.
“A história, desde a independência de Angola, em 1975, é sempre de interesses, económicos principalmente, não importando a situação dos direitos humanos, a transparência e a boa governação”, critica.
Liberdade reprimida
Várias organizações de defesa dos direitos humanos apelaram a Kerry no sentido de abordar em Angola problemas como a repressão da liberdade no país. Teca Pedrowski, porém, registou os apelos com algum ceticismo.
“Acredito que possa tocar em alguns assuntos, mas são assuntos leves como a exigência de mais transparência, principalmente nas empresas petrolíferas, que devem divulgar os pagamentos feitos e as transacções económicas”, afirma o jovem revolucionário.
Por outro lado, duvida que John Kerry tenha abordado “o que é mais importante neste momento, que é tocar na longevidade no poder de José Eduardo dos Santos, que é um factor de corrupção no país e de má governação.”
No passado sábado (03.05) vários jovens foram temporariamente detidos pela polícia quando tentavam participar, na Praça da Independência, em Luanda, numa manifestação a favor da liberdade de imprensa. O problema foi no entanto rapidamente resolvido antes da chegada do secretário de Estado norte-americano.