Lisboa intervém nos negócios da banca de Isabel dos Santos
22 de março de 2016O Governo português deu o aval a Isabel dos Santos, filha do Presidente angolano, para entrar no capital do Banco Comercial Português (BCP).
Em troca, a empresária angolana, que foi recentemente recebida em São Bento pelo primeiro-ministro português, António Costa, sairia do Banco Português de Investimento (BPI) – o quarto maior banco português em ativos -, vendendo os 18,6 por cento das ações aos espanhóis do La Caixa.
António Costa resolve, assim, o impasse nas negociações entre os acionistas do BPI, banco em que Isabel dos Santos detém 18,6 por cento do capital, e evita a exposição do BPI a Angola. Por outro lado, Lisboa contorna uma eventual relação de hostilidade com Luanda - Isabel dos Santos deverá sair do BPI, mas vai continuar a ter uma posição de relevo na banca portuguesa, quando se tornar acionista de referência do Millennium BCP (Banco Comercial Português), detido maioritariamente pela petrolífera Sonangol.
Benefícios para todos
O analista português Filipe Alves, co-autor do livro "Os Novos Donos Disto Tudo", considera que, a concretizar-se, a solução "representa uma vitória" e revela "certo bom senso de todas as partes envolvidas".
"O que estava em causa, no limite, era um enorme aumento de capital no BPI, caso não conseguisse resolver o problema da exigência do Banco Central Europeu (BCE), de reduzir a exposição a Angola", explica o analista, acrescentando que "esta solução permite que todas as partes consigam atingir alguns objetivos".
Como exemplo, Filipe Alves aponta o Caixa Bank, "grupo catalão que é o maior acionista do BPI, mas que só poderia votar com 20 por cento por causa da oposição de Isabel dos Santos". Assim, segundo o analista, o Caixa Bank passa a ter o caminho livre para lançar uma Oferta Pública de Aquisição sobre o BPI. A OPA, acrescenta, "terá de ser feita ao preço a que for comprada a participação de Isabel dos Santos".
E isto, afirma Filipe Alves, "é bom" para a empresária angolana, "que consegue, com a benção do poder político português, preservar uma participação na banca portuguesa, eventualmente com um investimento no BCP ou mantendo até, quem sabe, uma fusão entre o BIC – um banco em que é acionista em 50 por cento – com o BCP, de forma a que haja uma presença angolana importante em Portugal".
Bater de pé
Em 2015, Isabel dos Santos, através do grupo angolano Santoro, demonstrou a intenção de fundir o BPI e o BCP. Mas esse era um cenário quase impossível perante a resistência do Caixa Bank. Além disso, o Banco Central Europeu opõe-se ao aumento do poder angolano na banca portuguesa.
O encontro em Lisboa entre António Costa e Isabel dos Santos, noticiado há dias pelo semanário português Expresso, é importante, segundo Filipe Alves: "No fundo, há também aqui um bater do pé das autoridades portuguesas, nomeadamente do primeiro-ministro António Costa, mas também do novo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que ainda há dias criticou a excessiva presença dos espanhóis na banca portuguesa", considera o analista.
Filipe Alves fala numa "espécie de despertar do lado português nas mais altas esferas de decisão". "O Governo e o Presidente já disseram que o investimento espanhol é bem-vindo na banca portuguesa, mas não é bom que seja exclusivo. Há que manter várias opções em aberto, com capitais angolanos e também capitais portugueses, que neste momento são escassos, mas há que criar condições nesse sentido", explica.
Mais poder no Banco de Fomento Angola
No âmbito do encontro entre António Costa e Isabel dos Santos, o Governo português também propôs como solução a saída dos angolanos do BPI em troca de uma posição mais confortável no Banco de Fomento Angola (BFA). O negócio ainda não foi anunciado, mas, tal como pretendia, Isabel dos Santos passará a ter o controlo total do BFA, controlado pelo BPI, onde já detém 49,5 por cento do capital, através da operadora de comunicações Unitel.
"Este negócio tem importância não só para a redefinição do sistema bancário português, como também para a redefinição do poder no sistema bancário angolano", diz Filipe Alves, considerando que "embora se possa criticar eventualmente a ingerência política no assunto, a verdade é que a intervenção de António Costa foi decisiva para evitar um cenário que podia ser muito complicado".
De acordo com o analista, resta ver "se o BCE, no futuro, também vai permitir que Isabel dos Santos adquira uma posição relevante no BCP, por exemplo."
A 10 de abril termina o prazo para resolver o problema do excesso de concentração de riscos em Angola, de acordo com as recomendações do Banco Central Europeu. O aval dado por António Costa à filha do Presidente de Angola para a concretização do negócio suscitou alguma inquietação no seio da oposição social-democrata, que já pediu esclarecimentos ao Governo no Parlamento, por alegada interferência do Executivo socialista nas relações societárias e comerciais entre acionistas privados do BPI e do BCP.
"O problema aí – o reverso da medalha – é que é necessário assegurar a transparência dessa atuação pública e, para já, não sabemos se isso será assegurado ou não. Os portugueses têm de saber o que o Governo está, de facto, a fazer ao imiscuir-se nesse negócio privado", conclui Filipe Alves.