"Luanda Leaks": PGR de Angola poderá recorrer à Interpol
25 de janeiro de 2020Em entrevista à agência de notícias Lusa, em Lisboa, o procurador-geral da República de Angola, Hélder Pitta Grós, afirmou que a Justiça pretende "esgotar todos os procedimentos" para notificar a empresária angolana Isabel dos Santos antes de pedir um mandado internacional de captura.
Grós também disse que poderá recorrer à Interpol e Europol, e a outros organismos internacionais, para investigações no âmbito do "Luanda Leaks", investigação jornalística que expôs esquemas financeiros da filha do ex-Presidente de Angola.
"Primeiro vamos esgotar a possibilidade de notificá-la: se não for em Portugal será no Dubai ou no Reino Unido [onde também tem residência]. Vamos esgotar essas possibilidades para depois podermos avaliar a aplicação de outra medida", disse Pitta Grós, em entrevista à agência Lusa esta sexta-feira (24.01), um dia depois de ter sido recebido pela sua homóloga portuguesa, a quem pediu ajuda na notificação dos arguidos num caso de má gestão da petrolífera Sonangol.
A empresária terá estado na quinta-feira (23.01) em Lisboa e continua com total liberdade de circulação, algo que Pitta Grós considera normal, tendo em conta a fase do processo.
"Em relação aos seus movimentos nada podemos fazer, porque não há medidas de coação no âmbito do processo-crime. Só depois de ela ser interrogada é que lhe poderá ser ou não aplicada" uma medida de coação, afirmou.
Cooperação internacional
Para já, a Interpol ainda não foi contactada por Luanda nem foi pedido um mandado internacional de captura. "[Primeiro], temos de cumprir os pressupostos processuais. Ela ainda não foi notificada desse despacho", explicou o procurador, acrescentando que só se não "comparecer nesse interrogatório" é que poderá "ter de seguir por essa via".
Por enquanto, será pedida cooperação judiciária internacional para notificar a empresária que tem passaporte russo: "Teremos de ir a países onde haja interesses neste processo, interesse em notificar [Isabel dos Santos], interesse em possíveis investimentos ou dinheiros que, de forma ilícita, tenham ido para esses países".
"Quando há necessidade de recorrer à cooperação internacional temos que usar todos os instrumentos legais que existem e, portanto, Interpol, Europol e tudo o que for necessário iremos utilizar", afirmou à Lusa Helder Pitta Grós. Até agora, garantiu que não recorreu a essas autoridades policiais: "Neste momento, ainda não o fizemos", mas "quando for necessário faremos isso".
"Fase inicial de investigação"
Para o procurador angolano, Angola "está numa fase inicial de investigação aos factos que foram revelados recentemente", referindo-se às suspeitas de desvios de dinheiro por parte da empresária angolana Isabel dos Santos, revelados pelo "Luanda Leaks" a partir da investigação do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ).
Por isso, "ainda não houve tempo suficiente para podermos para explorar tudo", referiu. Mas "o foco não está só" no processo que envolve a empresária Isabel dos Santos, garantiu o PGR de Angola: "Temos em trabalho muitos outros processos. E alguns até irão para tribunal mais cedo do que a conclusão deste", considerou Pitta Grós.
Segundo explicou, porque processos como o que está em curso, "pela sua natureza e complexidade, necessidade de ter meios próprios para trabalhar nele, humanos principalmente, não são fáceis de um dia para o outro de serem concluídos e de serem submetidos ao tribunal".
"Os meios nunca são suficientes, porque as pessoas que incorrem nessa prática de ilícitos estão sempre muito mais à frente, por isso não podemos acompanhar o ritmo deles nem temos os meios e, como tal, é uma luta constante", afirmou. Por isso, Hélder Pitta Grós admitiu que a Procuradoria-Geral da República angolana tem pedido apoio, até mesmo de técnicos, a outros países na área da investigação.
Empresária diz não ter sido notificada
A empresária Isabel dos Santos tem alegado que nunca foi notificada e queixa-se de que a justiça angolana está a ser seletiva nos alvos das investigações de corrupção, algo que Hélder Pitta Grós rejeita.
Isabel dos Santos "não foi notificada [em Luanda] porque ela não saiu de casa para atender o agente que a foi notificar" e mandou a "empregada doméstica atender" que "assinou" a nota judicial, disse o procurador, assegurando que as autoridades estão a atuar com imparcialidade neste caso.
"A justiça angolana é seletiva porque só vai agir contra aqueles que cometeram ilícitos", avisou.
Processo impossível na era JES
Para o procurador-geral da República de Angola, a justiça angolana não teria podido investigar a empresária Isabel dos Santos durante a liderança do seu pai, o ex-Presidente José Eduardo dos Santos, por pressão do poder político.
Antigo vice-procurador-geral da República durante os últimos anos de mandato de José Eduardo dos Santos, substituído em 2017 por João Lourenço, Hélder Pitta Grós reconheceu que o sistema judicial mudou, com a nomeação de novos protagonistas que asseguram a independência da justiça em relação ao poder executivo.
Questionado pela Lusa se seria possível uma investigação criminal a Isabel dos Santos como agora sucede, visando entre outras matérias a alegada má gestão da petrolífera estatal Sonangol, Hélder Pitta Grós foi taxativo: "Não acredito. Porque nunca aconteceu nada e estes factos foram cometidos antes de 2017".
"Porque se o poder político não estiver interessado em que a justiça funcione tem formas de fazê-lo", já que é o executivo que "tem os meios financeiros, os meios materiais e humanos", frisou Pitta Grós.