Moçambique: ONG pedem suspensão do projeto da TotalEnergies
17 de novembro de 2023Um grupo de 124 organizações não-governamentais (ONG) apresentou uma carta aberta aos financiadores da TotalEnergies, no norte deMoçambique, pedindo que não avancem com este "projeto desastroso" liderado por uma petrolífera que "não é de confiança".
"Este é um momento crucial, a 'força maior' invocada no projeto Mozambique LNG dá aosbancos e às agências de crédito à exportação uma oportunidade para reconsiderarem o seu envolvimento num projeto que tem sido desastroso ainda antes de ser construído, e no qual a TotalEnergies provou ser completamente desonesto", lê-se na carta aberta divulgada hoje (17/11).
"Nós, enquanto sociedade civil de Moçambique e em todo o mundo, estamos cientes que a TotalEnergies está nesta altura a abordar os bancos e as agências de crédito à exportação para garantir o apoio renovado na sequência do levantamento da 'força maior'", que levou à suspensão dos trabalhos de construção em 2021, "e sabemos que essa renovação do apoio não pode nem deve acontecer sem uma reavaliação do projeto", defende-se na carta.
Na missiva, as ONG defendem "a realização de uma avaliação verdadeiramente abrangente e independente do projeto como pré-requisito para qualquer decisão, incluindo a garantia de uma participação da sociedade civil, o fim da contribuição [dos financiadores visados na carta] para as violações de direitos humanos e para o clima de crise" e o compromisso dos financiadores de "afastarem publicamente qualquer apoio para os outros projeto de gás em Moçambique, nomeadamente o Rovuma LNG e o Coral North LNG".
A carta é assinada por ONG como Alternativa - Ação pela Emancipação Social, Fund Our Future ou o Sustainable Development Institute (SDI) e os promotores visam instituições multilaterais de financiamento como o Banco de Importações e Exportações dos Estados Unidos, o Banco do Japão para a Cooperação Internacional, o Afreximbank e o Banco Africano de Desenvolvimento, além de instituições privadas como Société Générale, Crédit Agricole, JP Morgan, Standard Chartered ou o ABSA Bank.
Estas ONG consideram que o projeto vai perpetuar os problemas das populações e implica a permanência de um "forte contingente" de militares para assegurar a segurança das operações, alertando para um "aumento dos ataques" quando as obras recomeçarem e para a falta de preocupações ambientais por parte da petrolífera francesa que lidera o projeto de produção e exportação de gás natural liquefeito, encarado como decisivo para o desenvolvimento económico de Moçambique.
A exploração das reservas de gás natural
Moçambique tem três projetos de desenvolvimento aprovados para a exploração das reservas de gás natural da bacia do Rovuma, classificadas entre as maiores do mundo, ao largo da costa de Cabo Delgado.
Dois desses projetos têm maior dimensão e preveem canalizar o gás do fundo do mar para terra, arrefecendo-o numa fábrica para o exportar por via marítima em estado líquido.
Um é liderado pela TotalEnergies (consórcio da Área 1) e as obras avançaram até à suspensão por tempo indeterminado, após um ataque armado a Palma, em março de 2021, altura em que a energética francesa declarou que só retomaria os trabalhos quando a zona fosse segura.
O outro é o investimento ainda sem anúncio à vista liderado pela ExxonMobil e Eni (consórcio da Área 4).
Um terceiro projeto concluído e de menor dimensão pertence também ao consórcio da Área 4 e consiste numa plataforma flutuante de captação e processamento de gás para exportação, diretamente no mar, que arrancou em novembro de 2022.
A província de Cabo Delgado enfrenta há cinco anos uma insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.
A insurgência levou a uma resposta militar desde julho de 2021, com apoio do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos de gás, mas surgiram novas vagas de ataques a sul da região e na vizinha província de Nampula.
O conflito já fez mais de um milhão de deslocados, de acordo com o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.