Mali: Junta não admite retorno imediato de civis ao poder
25 de agosto de 2020A junta que está no poder há uma semana no Mali e os emissários da África Ocidental concluíram o terceiro dia de negociações nesta segunda-feira (24.08) sem chegar a um acordo sobre as condições para a instalação de um Governo civil. A duração da transição e quem irá liderar o país nesse período foi o principal ponto de discordância.
Os militares tinham a ideia inicial de uma transição de três anos liderada por um integrante da corporação – que assumiria também a posição de chefe de Estado. A posição estava muito longe das exigências da Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e do prazo "razoável" em que a junta prometeu eleições gerais.
Confrontada pela primeira vez com protestos nas redes sociais, a junta reviu a posição. Na segunda-feira (24.08), segundo o chefe da diplomacia do Níger, Kalla Ankourao, os militares reduziram o período de transição militar para dois anos.
Os diplomatas da CEDEAO queriam o retorno imediato à "ordem constitucional”, mas acabaram por abandonar essa ideia,dado o apoio popular ao golpe após meses de protestos contra o ex-Presdiente Ibrahim Boubacar Keita - no âmbito do colapso da economia, do agravamento da insegurança e da contestação dos resultados das eleições legislativas.
Segundo o líder da equipa de mediação, o antigo Presidente nigeriano Goodluck Jonathan, Keita não pretende voltar ao poder. "Disse-nos que se demitiu, que não foi forçado a demitir-se, e não está interessado em governar outra vez. Quer uma transição rápida para que o país volte a um Governo democraticamente eleito", esclareceu.
A junta sublinha que quer devolver o poder aos civil, mas que não foi estabelecido o prazo para a realização de eleições. "Houve discussões e cada lado tem a sua posição. Nada está finalizado, nada está decidido. A arquitetura final da transição será decidida entre nós, malianos", disse o porta-voz da junta, Ismael Wagué.
A CEDEAO concorda que a decisão cabe aos malianos: "Quer seja um Governo eleito ou um Governo de transição nomeado, tem de ser decidido pelo povo maliano. A responsabilidade da CEDEAO é dizer que temos protocolos que regem a sub-região", lembra Jonathan.
Sanções e isolamento
A junta militar espera que a CEDEAO levante as sanções anunciadas dois dias após o golpe. Os chefes de Estado vizinhos anunciaram o encerramento das fronteiras dos Estados membros da organização, bloqueando as saídas do Mali o mar. Também decidiram travar todos os fluxos financeiros e comerciais, exceto para as necessidades básicas e produtos utilizados na luta contra o Covid-19.
A missão da Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) relatará os detalhes das negociações aos líderes da região em reunião marcada para quarta-feira (26.08). No encontro os representantes dos países vizinhos discutirão se agravam ou retiram as sanções impostas após o golpe.
A antiga ministra dos Negócios Estrangeiros, Sy Kadiatou Sow - que integra Movimento do 5 de junho - Reunião das Forças Patrióticas (M5-RFP) – defende que os militares precisam de tempo para organizar a transição. "O importante para nós é que esta transição corresponda às expectativas do povo maliano. E não dizer ‘rápido, vamos organizar eleições'. É preciso condições para organizar eleições, é preciso reformas. Esta é uma oportunidade histórica para o nosso país", disse.
A comunidade internacional, por sua vez, teme o agravamento da instabilidade na região com o prolongamento da situação. Observadores alertam que se a CEDEAO aceitar o prazo de três anos proposto pelos militares para a transição política no Mali, vai abrir um precedente arriscado. Os exércitos dos países vizinhos - como o Burkina Faso, o Chade e o Níger - poderão tirar partido da insegurança para alterar as estruturas de poder.