Moçambique é o país de novas oportunidades para portugueses
25 de fevereiro de 2013
Gonçalo Fernandes acompanha, todas as manhãs, o andamento da obra na Avenida Armando Tivane, no coração de Maputo. O engenheiro civil português, de 31 anos, tem de assegurar que os trabalhos decorrem conforme está definido no projeto do futuro condomínio de 16 andares para 45 apartamentos de luxo e piscina.
A viver na capital de Moçambique desde setembro de 2012, Gonçalo sente-se já adaptado. Veio ao serviço da empresa portuguesa de arquitetura Pitágoras que, há três anos, entrou neste novo mercado.
Enquanto que “em Portugal o mercado está um bocado saturado”, em Moçambique acontece “exatamente o contrário, há muita coisa para fazer ao nível da habitação, edifícios de serviços, comércio, portanto isto tem muito para crescer”, compara o engenheiro civil português. Pelo que Moçambique é um mercado de futuro, assegura Gonçalo Fernandes.
Mais de 17.000 portugueses residentes
O potencial para este e vários outros negócios, assim como o clima de estabilidade política e social tornam Moçambique atrativo a empresas e cidadãos estrangeiros. Nos primeiros nove meses de 2012, o país recebeu mais de 11.800 pedidos de cidadãos estrangeiros para trabalhar, com destaque para os sul-africanos, portugueses e chineses, segundo o Ministério do Trabalho.
A proximidade cultural e a língua comum facilitam a imigração de portugueses, que se têm fixado sobretudo na capital. Trocam a crise financeira que tem estagnado o mercado de negócios em Portugal, pelo clima agradável, o povo acolhedor e as praias bonitas de Moçambique, dizem.
Enquanto a economia moçambicana cresceu 7,5%, em 2012, houve uma contração da economia portuguesa de 3% segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional.
O Consulado Português de Maputo refere que estão inscritos cerca de 17.000 portugueses residentes, referindo-se às províncias de Maputo, Gaza e Inhambane no sul de Moçambique. Contudo, o número poderá ser bem superior, já que muitos cidadãos não estão inscritos. Muitos chegam com um visto de turista e começam ilegalmente a trabalhar. Depois do fim do período do visto saem de Moçambique e entram de novo como turistas. No início do ano de 2013, as autoridades moçambicanas recusaram a entrada a dezenas de portugueses com sucessivos vistos turísticos.
Muitos portugueses que chegam são jovens qualificados e vêm com contrato de trabalho. As empresas portuguesas destacam-se nas áreas da construção civil, restauração e consultoria.
Ilusões de quem chega
A música e os sabores genuínos recordam Portugal no restaurante "Taverna" de Nuno Pestana, na Avenida Julius Nyerere. O empresário português apostou, há sete anos, neste espaço dedicado unicamente à gastronomia típica portuguesa.
Desde então, assiste ao crescimento “brutal” do número de compatriotas em Maputo. Muitos “chegam com expectativas mais elevadas do que aquelas que, na realidade, o país tem para dar”, observa Nuno Pestana.
O empresário português salienta que o “país que tem muita coisa para fazer, muita oportunidade para se agarrar, mas também é preciso muito investimento para começar”.
Nuno Pestana é da opinião que os portugueses que chegam agora vêm tarde, pois hoje em dia Moçambique “é um país caro, onde a matéria-prima é cara, a habitação é cara, o meio de transporte é caro... A mão de obra não é tão cara, mas acaba por sair cara pela falta de formação que tem. Tudo isto dificulta muito o investimento”.
Capital, tempo e paciência são, portanto, três fatores essenciais para investimentos em Moçambique. O engenheiro civil português, Gonçalo Fernandes, recorda que só após três anos de investimento surgiram os primeiros frutos da empresa de arquitetura onde trabalha.
“Temos dificuldades em abrir portas, em conseguir entrar no mercado de forma aberta” diz Gonçalo, salientando: “é preciso dar a perceber que estamos aqui de boa fé e que queremos implementar as nossas ideias e ser uma mais-valia para o país”.
Crítica: há empresas portuguesas que chegam falidas
Ao mesmo tempo que surgem queixas do lado dos portugueses, também os moçambicanos apontam queixas, particularmente no sector da construção.
Agostinho Vuma, presidente da Federação Moçambicana de Empreiteiros, advoga que “para as empresas moçambicanas não é ameaça a presença de empresas portuguesas na construção civil ou de outras empresas”. Mas adverte: “é importante encontrar uma forma de filtrar as empresas em particular portuguesas porque, efetivamente, temos testemunhado a entrada de muitas empresas falidas ou que não existem no mercado português”.
Ameaça estrangeira?
Osvaldo Macama é taxista nas ruas de Maputo há mais de ano e meio. No seu carro verde e amarelo, o moçambicano transporta cada vez mais estrangeiros. Osvaldo até poderia ver com bons olhos a vaga de imigrantes “se eles chegassem com projetos para impulsionarem o desenvolvimento do país, para abrirem empresas”.
Todavia, o taxista de 29 anos refere que “o que está a acontecer é que vêm tantos que alguns, sem nenhum conhecimento, acabam ocupando os poucos locais de trabalho que a gente tem em Moçambique. Notamos que alguns moçambicanos perdem emprego no lugar de um estrangeiro”, critica Osvaldo Macama.
O risco de perda de postos de trabalho por parte de moçambicanos a favor dos estrangeiros assim como as diferenças salariais têm preocupado cidadãos e organizações sindicais em Moçambique. Mas para o sociólogo moçambicano Eugénio José Brás, da Universidade Eduardo Mondlane, “a chegada de estrangeiros, em termos de postos de trabalho, não tem ainda, pelo número, um quadro preocupante para a grande maioria [dos moçambicanos]”.
Eugénio José Brás explica: “pelos estudos que estamos a fazer, concluímos que temos uma mão de obra com fraca qualificação. E os postos de trabalho que os estrangeiros têm ocupado tendem a ser mais especializados”.
À procura de negócios
Quase todos os empresários portugueses empregam, na grande maioria, cidadãos moçambicanos. Contudo, os patrões nem sempre são bem vistos: “existe uma certa conceção de que o português não vem desenvolver o país, vem a procura de negócio”, afirma o estudante Domingos Machava.
A frequentar o último ano do curso de Economia, da Universidade Eduardo Mondlane, Domingos acrescenta: “temos a ideia de que trabalhar para um português, ele não paga, é muito orgulhoso”.
Nova colonização pelos portugueses?
O estudante moçambicano entende que quando num país se “vê uma prosperidade económica de uma certa classe que não é nativa, evidentemente que não se vê com bons olhos”. Prestes a ingressar o mercado de trabalho, Domingos Machava lamenta: “alguns que não são nacionais têm melhores oportunidades que os daqui”.
Face à nova vaga de imigrantes portugueses, algumas vozes críticas têm falado, em praça pública, em “nova colonização”. Um termo contestado pelo sociólogo Eugénio José Brás, pois argumenta que “não há espaço para isso”.
O especialista em sociologia urbana, da Universidade Eduardo Mondlane, salienta que “há aspectos muito positivos da vinda de muitos portugueses para Moçambique: trazer uma nova dinâmica, experiência em termos de trabalho. É uma nova sociedade portuguesa, não é a mesma de há 200 anos atrás, é uma nova sociedade com uma nova visão, com técnica e qualificação, assim como os outros povos”. Por isso, Eugénio José Brás entende que “Moçambique vai sair a ganhar no sentido de troca de experiência”.
Sem data de regresso
José Ventura anima as noites de quinta-feira o bar “Dolce Vita” na capital moçambicana. Ao longo da noite, a música na Avenida Julius Nyerere alterna entre o ritmo “house” do DJ português e a voz de uma cantora moçambicana. Além do som também a clientela do bar é heterogénea.
Desde outubro de 2011 a viver em Maputo, José Ventura, 34 anos, lembra: “a nível cultural tive de crescer bastante, tive de me adaptar o que já trazia de Portugal, em bagagem, e recolher o que ouvi aqui; tive de fazer uma mistura disso tudo para o meu trabalho poder agradar um pouco a grego e troianos”.
Satisfeito, garante que essa mistura “tem resultado bem”. Na capital moçambicana vê novas oportunidades. O “hobby” que tinha como DJ, em Portugal, passou a ser a sua profissão. Agora, tal como grande parte dos portugueses, José Ventura não tem data para regressar: “passado cinco dias de cá estar disse que conto ficar cá 30 anos. Já passou um, só faltam 29 anos para sair daqui”.
Autora: Glória Sousa
Edição: Johannes Beck