Moçambique: As consequências do "default"
8 de fevereiro de 2017O Governo moçambicano entrou oficialmente em incumprimento financeiro ou "default" na passada sexta-feira (03.02), depois de terminar o período de tolerância para o pagamento de 60 milhões de dólares referentes à prestação de janeiro da emissão de dívida pública feita em abril. Maputo já tinha anunciado que não conseguiria cumprir com a obrigação.
Também na última semana a imprensa informava que as autoridades já pensavam em negociar um novo financiamento com o Clube de Paris, um grupo internacional de doadores a países endividados, com quem têm ainda uma dívida em carteira. Entretanto, o Ministério das Finanças de Moçambique desmentiu a notícia. Moçambique já recorreu por oito vezes ao Clube de Paris. O oitavo empréstimo, solicitado em 2011, está ainda ativo. Sobre a gestão da dívida, a DW África entrevistou Humberto Zaqueu, economista da ONG Grupo Moçambicano da Dívida (GDM).
DW África: Quais as principais consequências para Moçambique do incumprimento das suas obrigações financeiras ou "default"?
Humberto Zaqueu (HZ): O primeiro ângulo de possíveis consequências tem a ver com a confiança dos parceiros, portanto credores e investidores. Quando o país entra em "default" significa que não há mais condições para os parceiros continuarem a dar apoio ao país, particularmente aqueles que dão na modalidade de créditos – e não são poucos. Passam a questionar a capacidade de o país pagar os empréstimos. E pior quando falamos dos créditos comerciais, que é caso dos créditos ilícitos, que tinham sido revelados praticamente todos a partir da banca privada europeia. Então, as instituições financeiras perdem total confiança no país, o que significa que a entrada de divisas para o país vai reduzir cada vez mais. A segunda preocupação, no caso das dívidas que já existem e que estão em carteira com os bancos europeus, é que o que vai acontecer, quando entramos em "default", definitivamente os títulos da dívida que estão em posse das instituições passam a desvalorizar. E hoje em dia temos uma outra ameaça, que parece já estar a afetar Moçambique apesar de os políticos não estarem a valorizar, que é o fato de entrarem em ação os chamados "vulture funds" (fundos abutre), que são os fundos baseados nos paraísos fiscais que compram os títulos a preços baixíssimos e passam a controlar grande parte do ativo do Governo. Agora, na perspetiva do investimento estrangeiro isso é claro: qualquer investidor não quer ir para um país onde há incerteza da política monetária. E Moçambique em "default" cria um ambiente em que há maior incerteza em relação à condução da política monetária.
DW África: O que terá motivado o Governo a não cumprir com o pagamento? Será falta de dinheiro ou uma questão estratégica?
HZ: Definitivamente é uma incapacidade financeira, não há dinheiro. Há setores [do aparelho do Estado] que ainda não começaram a executar o orçamento, simplesmente porque não têm [dinheiro]. Todas as linhas fundamentais que providenciavam o investimento básico para a população foram retiradas. Estamos a falar de setores como educação, saúde. Há cortes extraordinários. E parece que estamos a caminhar no sentido contrário ao que nós precisávamos. O ministro da Defesa veio a público dizer que enquanto não tivermos o exército todo na frente de batalha, a maior preocupação que se deve ter nos últimos anos é mandar os militares para a agricultura. Estamos a chegar a esse ponto!
DW África: A imprensa noticiou sobre a intenção do Governo moçambicano recorrer ao Clube de Paris (o grupo dos grandes países credores) para obter mais apoio financeiro. A informação já foi desmentida pelo Executivo. Mesmo assim, quais são as chances de Moçambique conseguir um novo apoio, tendo em conta os empréstimos dos países do Clube de Paris que ainda devem ser pagos?
HZ: As chances são mínimas, não somente porque temos um empréstimo em carteira. Há aquela frase que diz que dever não é mau, o que é mau é não pagar. Definitivamente, o que é mau é o "default" e é isso que vai fazer com que o país não consiga sair-se bem nas negociações, na nova tentativa de buscar apoios fora do país. Se tivéssemos uma dívida em carteira e tivéssemos a capacidade de pagar, nenhum credor nos fechava as portas. Quando falamos da dívida de Moçambique, se compararmos com os outros países, é uma dívida ínfima, mas para Moçambique é um valor exorbitante, o que é um sufoco total. Estamos a falar de cerca de 12 mil milhões de dólares. O que vai fazer com que não tenhamos sucesso não é necessariamente o fato de termos uma dívida em carteira, mas a incapacidade de pagarmos, declarada agora pelo "default".