China elimina taxas alfandegárias para nove países africanos
7 de setembro de 2022A China eliminou as taxas alfandegárias sobre 98% de bens dos setores agrário e mineiro originários de nove das nações menos desenvolvidas de África.
A nova política, que entrou em vigor a 1 de setembro, aplica-se a importações da República Centro-Africana (RCA), Chade, Djibuti, Eritreia, Guiné, Moçambique, Ruanda, Sudão e Togo. Vários países asiáticos foram também incluídos no esquema.
A decisão seguiu-se ao anúncio do Presidente chinês Xi Jinping na Cimeira China-África, em novembro de 2021, de que seriam tomadas medidas para aumentar a importação de produtos agrícolas do continente africano.
Xi disse, na altura, que o objetivo era aumentar as importações para o equivalente a 302 mil milhões de euros nos próximos três anos, e depois fixar soma idêntica para o volume anual até 2035.
África, que ainda exporta principalmente matérias-primas para a China, representa apenas uma pequena parte das importações totais daquele país.
Em 2020, as vendas de alimentos e outros produtos agrícolas dos países africanos atingiram 163 mil milhões de euros, o equivalente a 2,6% das importações destes bens pela China.
Nações africanas acumulam dívida externa
O economista moçambicano João Mosca, da ONG Observatório do Ambiente Rural (OMR), acredita que o novo esquema terá "praticamente nenhum efeito na economia de Moçambique".
Segundo Mosca, o país, que não capacidade de exportar de forma significativa, ainda dependerá de alimentos importados por muito tempo.
A China é o principal credor individual de Moçambique e o seu terceiro maior parceiro comercial. Mas o comércio bilateral é, em grande parte, uma via de sentido único, em detrimento da balança de pagamentos de Moçambique. A eliminação de tarifas alfandegárias não ajudará a reduzir os défices nas relações comerciais ou a aliviar a dívida de Maputo, explicou Mosca, contrariamente ao efeito prometido por Pequim.
Há outro setor económico moçambicano em que Pequim tem vindo a demonstrar interesse crescente. Recentemente, a China associou-se à Coreia do Sul para uma exploração conjunta de gás natural na Bacia do Rovuma, na província de Cabo Delgado, com o início da produção marcado para 2024.
Observadores veem o acordo assinado em agosto como um sinal de que Pequim pode querer entrar na corrida internacional pelo gás moçambicano.
A China precisa de matérias-primas africanas
"A China tornou-se muito dependente da energia e minerais africanos, incluindo cobalto e carvão, que são necessários para a alta tecnologia", disse à DW Chenshen Yen da Universidade Nacional Chengchi, em Taiwan.
"Acredito que esta medida ajudará a China a adquirir mais matérias-primas e facilitará a entrada de minerais africanos no país", acrescentou Yen.
Harry Verhoeven, investigador do Centro sobre Política Energética Global da Universidade de Columbia, nos EUA, disse à DW que a eliminação das tarifas de exportação de minerais de África para a China pouco fará para encorajar ainda mais os fluxos já maciços do continente para a Ásia: "Na maioria dos casos, a eliminação das taxas vai beneficiar os importadores chineses".
Verhoeven abre excepção no caso de bens manufaturados, que, diz, podem tirar partido da nova política fiscal: "Há indícios de que a redução de tarifas por parte da China tem vindo a encorajar uma diversificação das exportações dos países africanos", disse o analista.
A agricultura africana tem potencial económico
Uma aposta na agricultura poderia beneficiar ambas as partes. A China é o maior importador mundial de alimentos e o setor agrícola é o maior empregador e motor da atividade económica no continente africano. 60% das terras aráveis não cultivadas do mundo encontram-se em África.
"Numa perspetiva de muito longo prazo, a China está interessada em reservar terras para a produção de alimentos em toda a área do Oceano Índico Africano, desde Moçambique até ao Corno de África", diz o investigador e docente universitário Mosca.
Com uma população crescente para alimentar e a intenção de se concentrar em indústrias de alta tecnologia – e ainda para encontrar novos mercados para os seus produtos - a China tem um interesse genuíno no desenvolvimento do continente africano.
A China como alternativa
Mosca lembra-se de um primeiro-ministro moçambicano lhe ter dito que um antigo presidente chinês lhe afirmara que Pequim "está decidido a industrializar África nos próximos 100 anos". Isto inclui a exportação de indústrias altamente poluentes – por causa das quais a China está agora sob escrutínio global permanente, avisou Mosca.
Mas a curto prazo, as medidas anunciadas por Pequim devem ser vistas no contexto do posicionamento geopolítico, concordam os analistas.
O que se aplica também à guerra na Ucrânia, que para muitos países africanos representa um dilema de conflito de lealdades. A China procura capitalizar a situação, acredita Mosca: "Pequim está a dizer: 'Vejam, há uma alternativa à vossa antiga e tradicional dependência dos países europeus e dos EUA'".