Moçambique já especula sobre sucessão do presidente Guebuza
27 de setembro de 2011A sucessão presidencial moçambicana será decidida apenas em 2013, mas a imprensa do país já especula quem poderia ser o candidato do partido governista FRELIMO, para substituir o chefe de Estado Armando Guebuza – tanto na liderança da agremiação, quanto tomando as rédeas de Moçambique.
Entre os nomes lançados a público, está o de Graça Machel, conhecida internacionalmente pelo trabalho humanitário e a defesa dos direitos das crianças – e que seria portanto uma “reserva moral” da FRELIMO. Se fosse indicada a candidata e, em seguida, eleita, Machel – também viúva do primeiro presidente moçambicano, Samora Machel, e atual esposa do primeiro presidente negro da África do Sul, Nelson Mandela – poderia ser a primeira mulher presidente de um dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
A Deutsche Welle conversou com o analista político José Jaime Macuane, professor da Universidade Eduardo Mondlane na área de ciência política e administração pública. Para Macuane, "tudo ainda está em aberto" – apesar de o nome de Graça Machel ter prestígio entre os antigos combatentes pela independência, também existe uma ala mais jovem do partido que a própria Machel teria evocado como possível berço do sucessor de Guebuza. Este, teoricamente, não pode concorrer a um terceiro mandato.
José Jaime Macuane afirmou que a decisão sobre quem será o candidato da FRELIMO só deverá ser tomada no próximo ano (2012), no congresso nacional do partido.
Para o analista, as próximas eleições não deverão trazer muitas mudanças na constelação partidária de Moçambique. A FRELIMO, segundo Macuane, ainda terá maioria, mas está desgastada e não passou incólume pelos protestos populares de setembro de 2010 contra o aumento de preços de bens de primeira necessidade. Este fator poderia dar mais votos aos maiores partidos da oposição, RENAMO e MDM.
Deutsche Welle: Quais são os nomes da FRELIMO (partido no poder) levados a público pela imprensa e que poderiam disputar uma sucessão do presidente Armando Guebuza?
José Jaime Macuane: Alguns deles são Joaquim Chissano, [o primeiro-ministro] Aires Ali, Graça Machel e alguns outros nomes de menos expressão. Uma coisa interessante é que nenhum grupo assume que apoia um ou outro nome. Então, neste momento, ainda estamos no campo das especulações. Agora, em relação a Graça Machel, de fato ela tem um capital político muito forte por ser viúva de Samora Machel [líder da luta de emancipação de Moçambique e primeiro presidente do país após a independência de Portugal]. Além disso, ela tem tido uma forte intervenção social. Porém, ela em si ainda não assumiu que, caso lhe colocassem esse desafio [de ser candidata a presidente], ela assumiria essa responsabilidade.
DW: Existiria a possibilidade de uma eventual candidatura de Joaquim Chissano, antecessor de Armando Guebuza na presidência de Moçambique? Ele já poderia concorrer? Qual a relação dele com Graça Machel no interior da FRELIMO – são concorrentes?
JJM: Em termos legais, Chissano de fato ainda pode se candidatar à presidência da República. Mas não me parece que seja provável que ele o faça – acho que ele já saiu desta parte da política ativa. Penso que ele estaria mais propenso a apoiar um outro nome e não ser ele mesmo a se pôr como um dos nomes indicados. Em relação a Graça Machel, talvez seja importante dizer que ela é alguém que tem um prestígio muito forte junto dos antigos combatentes [pela independência de Moçambique, alcançada em 1975]. Foram os que deram apoio substancial ao presidente Guebuza. Mas não sei se eles fariam a mesma ponte – ou dariam apoio a Graça Machel e a Chissano ao mesmo tempo. Estou mais inclinado a achar que Joaquim Chissano, a dar algum apoio… ia ser um nome que não necessariamente o da Graça Machel. Mas isto não fecha espaço para que, se ele achar que o nome que ele apoia é fraco, ele dê apoio a Graça Machel.
DW: Já é possível saber que nome é esse?
JJM: É um processo ainda muito incerto, especulativo, embora um dos nomes que surja seja o nome de Tomás Salomão, ex-ministro das Finanças e que agora ocupa o cargo de secretário geral da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento dos Países da África Austral). Mas é difícil termos um nome mais sólido e definitivo.
DW: O senhor acha que Alberto Chipande, conhecido como o "homem do primeiro tiro" na luta armada pela independência, poderia se tornar o chefe da FRELIMO?
JJM: Neste jogo, tudo é possível. Mas o que torna esses nomes todos mais incertos ainda tem a ver com o que for feito na revisão constitucional [cujo debate na Assembleia da República, segundo Macuane, deverá acontecer ainda em 2011], porque tudo gira em torno daquilo que vão ser os poderes presidenciais. Então, se os poderes presidenciais forem fortes, isso também terá implicações no nome que for apresentado para ser o próximo presidente. Agora, se forem mais fracos, isto amplia mais o leque.
DW: Em relação às últimas eleições presidenciais, a FRELIMO elegeu 191 deputados, a RENAMO (maior partido da oposição), 49, e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM, oposição e autodenominada 3ª maior força partidária do país) conseguiu eleger 8 deputados. A hegemonia da FRELIMO poderia ser quebrada nos próximos anos? Como o senhor vê a atuação dos partidos moçambicanos nas próximas eleições legislativas?
JJM: Acho que não chega a ser uma hegemonia propriamente dita da FRELIMO, mas sim um expressivo sucesso eleitoral, o que é diferente. Porque também houve uma alta abstenção, num momento em que a RENAMO também estava em crise. Então, este sucesso, em si, deveu-se à capacidade de organização que a FRELIMO tem para concorrer às eleições. Acho que, nas próximas eleições, as possibilidades de que a FRELIMO perca ainda são mínimas. Mas tenho sérias dúvidas de que ela volte a ter uma margem tão folgada como teve nas últimas eleições.
A RENAMO está numa situação ainda incerta – tanto pode ser que ela mantenha o nível de apoio que obteve nas últimas eleições, como suba um pouco ou perca um pouco. Mas duvido que volte aos níveis que teve nas eleições de 1999.
O MDM provavelmente terá alguma possibilidade de aumentar a sua margem em relação àquilo que foi o seu desempenho em 2009, também em parte em função de uma certa insatisfação e que pode ser vista tendo como base aquilo que houve em setembro do ano passado, quando houve manifestações muito fortes contra o governo.
Em suma, a FRELIMO provavelmente ainda vai ter a maioria, mas não com margens tão altas como ela teve nas últimas eleições – acho que houve um grande desgaste nestes dois últimos mandatos. Particularmente as manifestações de setembro de 2010 mostraram que o nível de apoio que a FRELIMO teve está a reduzir-se. Então, tenho sérias dúvidas mesmo que ela consiga ter este apoio.
E há um outro ponto: nas eleições de 2009, houve restrições à participação de alguns partidos em certos círculos, com destaque para o próprio MDM. Então, isto abriu um grande espaço para que a FRELIMO conseguisse mais votos. Então, em condições em que o MDM e outras forças concorram em todos os círculos, eu tenho sérias dúvidas mesmo que a FRELIMO atinja essas margens de vitória que teve nas eleições de 2009.
Autora: Renate Krieger
Edição: António Rocha