Moçambique: MSF diz que houve expansão geográfica da cólera
16 de março de 2023As autoridades sanitárias confirmaram esta quinta-feira (16.03) o surto de cólera na cidade de Quelimane, província da Zambézia. A região é uma das mais fustigadas pelo ciclone Freddy que passou pela segunda vez em Moçambique.
Numa altura em que já se contabilizam pelo menos oito óbitos pela cólera, a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) diz ter enviado equipas para província com o objetivo de compreender a situação e estudar possíveis focos de intervenção.
Em entrevista à DW, o coordenador Médico Nacional da organização, Benjamin Mwangombe, refere-se a uma expansão geográfica da cólera em Moçambique e aponta queda excessiva da chuva e problemas de saneamento do meio em várias comunidades como causas do fenómeno.
DW África: Como é que a organização Médicos Sem Fronteiras está a acompanhar esse surto de cólera na cidade de Quelimane?
Benjamin Mwangombe (BM): Nós mandamos uma equipa para lá com o objetivo de poder avaliar a situação e fazer um inquérito rápido. O relatório do inquérito é que vai definir as áreas que nós iremos focar. Nós consideramos ser muito séria a situação, por isso movimentámos a nossa equipa.
DW África: Qual é a situação atual do surto de cólera, por aquilo que são os dados que a Médicos Sem Fronteiras tem por ser uma organização que tem trabalhado lado a lado com o Governo na prevenção e mitigação desta problemática?
BM: Quando nós comparamos dados, por exemplo do ano passado, a diferença é que este ano há propagação geográfica dos casos em mais distritos. No ano passado os casos foram mais localizados. Em janeiro, tínhamos poucos casos em poucos distritos, mas neste momento já contamos com 33 distritos num prazo de dois meses. De oito para 33 [distritos] significa que a dimensão é outra. Entretanto, o fator chuva e ciclone em fevereiro aumentaram mais a situação, porque tem um impacto no saneamento básico. Ainda esperamos que haja a continuidade do aumento dos casos dentro do país por causa das mudanças climáticas.
DW África: Em Moçambique há campanhas para a necessidade de as pessoas manterem o saneamento do meio, mas parece que mesmo assim e de acordo com as suas palavras, há aumento dos casos, mas também das regiões afetadas pela cólera. O que estaria a falhar?
BM: Não é questão de falha. Eu acho que, em termos de frequência e volume, está claro para toda a gente que há aumento de chuvas. E depois, quando não há saneamento básico suficiente, é uma porta aberta para as doenças como a cólera. A água das chuvas afeta a área habitacional, onde podem entrar na casa de banho que nunca tiveram por exemplo. Aí aumenta mais o risco de contaminação.
DW África: O que tem de ser feito para travar a propagação da cólera em Moçambique?
BM: Nas áreas onde não tem condições suficientes de saneamento básico sempre haverá consequências sobre isso. O que tem de se fazer é continuar a aumentar o foco sobre a prevenção para que as pessoas possam entender como se pode prevenir, por exemplo, lavando as mãos. Há que se trabalhar muito para poder melhorar as condições de saneamento básico no futuro. Também investir muito por exemplo sobre as questões climáticas. Se havia pessoas que ainda duvidassem, atualmente ninguém mais tem dúvida de que as alterações climáticas ao nível global estão a ter impactos na vida das comunidades. Por exemplo, há muitos anos que nunca experimentamos uma situação de um ciclone que passou a regressar [como se viu com o Freddy]. As pessoas abandonaram as suas casas. Onde vão se não há condições de saneamento adequadas? Claro que haverá consequências. Tendo em conta que a cólera é endémica, parece uma porta aberta para a instalação dessa doença.