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Desastres

Moçambique pós-ciclones: O poder da rádio em tempos de crise

17 de outubro de 2019

Em Moçambique, cerca de 2,8 milhões de pessoas foram afetadas por calamidades naturais durante a época chuvosa. Mas após as passagens dos ciclones Idai e Kenneth, a rádio comunitária foi um instrumento poderoso.

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Johnny Fisher, Relationship Manager for Response at Health Communications Ressources
O membro da organização "Health Communication Ressources", Johnny Fisher, em palestra sobre o "Impacto da Rádio FM em Moçambique no período pós-ciclones", organizada pela DW.Foto: DW/T. Mansani

Quando chegou a Moçambique após as passagens dos ciclones Idai e Kenneth, Johnny Fisher, da organização não-governamental (ONG) Health Communication Resources, encontrou um cenário de destruição e caos. Embora o nível da água das cheias que seguiram os ciclones já estivesse baixar, a sujeira e o barro podiam ser vistos por todo lado e até mesmo em cima das casas.

Mas o cenário não desanimou o também membro do projeto denominado "First Response Radio" (Rádio como primeira resposta, tradução livre) em concretizar o seu objetivo: criar uma estação de rádio para ajudar as vítimas dos ciclones em Moçambique.

"Em Buzi, todas as antenas haviam sido destruídas pelos ciclones. Em termos de eletricidade, precisávamos comprar um gerador. Meu colega procurou durante horas, por toda a cidade da Beira, e por fim encontrou o gerador para comprar. Com isso, já tínhamos  a emissora a funcionar por algumas horas do dia".

Johnny Fischer falou à DW-África nesta quinta-feira (17.10), por ocasião do evento da DW, em Bona: "Beyond the Crisis – Communication, engagement and accountability in forced migration settings" (Além da crise - comunicação, engajamento e responsabilidade em contextos de migração forçada", tradução livre). Na sua palestra, Fisher falou sobre "O impacto da Rádio FM nas comunidades desalojadas pelos desastres climáticos em Moçambique".

Ameaça às autoridades

Mosambik nach dem Zyklon
Infraestruturas destruídas após a passagem dos ciclones Idai e Kenneth em Moçambique Foto: Lena Mucha

Um dos desafios encontrados por Fisher ao iniciar este projeto em Moçambique, foi, segundo relata, motivar as pessoas a falarem. "É normal que nas comunidades os líderes tentem controlar o fluxo de informação. E permitir que as pessoas falem pode ser visto como uma ameaça às autoridades", explica.

"Mas [a rádio] é, de fato, uma maneira de fortalecer as pessoas", argumenta. E, nesse aspeto, também menciona a ajuda da comunidade e de membros de organizações a trabalharem no local atingido pelos desastres.

Johnny Fisher conta que, após a abertura da rádio, um membro do departamento de educação local perguntou se poderia fazer um anúncio. Este anúncio era o de que "as escolas seriam reabertas e que, no dia seguinte, as crianças já poderiam voltar às escolas", explica, "um exemplo de como a comunicação aconteceu rapidamente".

De fato, a estação de rádio em Buzi, que Fisher estima ter alcançado cerca de seis mil pessoas, teve um papel central para informar as pessoas sobre como reconhecer e tratar doenças, como cólera e os transtornos pós-traumáticos.

"A equipa da rádio acabou por conectar-se com o grupo [da organização] Médicos Sem Fronteiras, que concedeu uma entrevista sobre traumas em vítimas dos desastres. De facto, as pessoas poderiam não saber que estavam a sofrer transtornos pós-traumáticos, especialmente as crianças. Os médicos aconselharam como elas poderiam observar a si mesmas e também onde poderiam buscar ajuda", relata.

Encontrar famílias

Moçambique pós-ciclones: Qual é o poder da rádio em tempos de crise?

Segundo Fisher, a rádio teve um papel muito importante para ajudar pessoas que telefonavam de longe, cerca de 40 quilómetros de distância, a encontrarem  membros da família desaparecidos após a passagem dos ciclones.

"Falamos com um jovem rapaz que estava à procura de familiares e já havia percorrido três alojamentos. Exausto, ele então descobriu que havia a rádio e que ali poderia contar a sua história – assim o fez", conta o membro da ONG. "Não sabemos se encontrou sua família ou não - isso ainda é uma questão em aberto -  mas foi o primeiro caso de pessoas em busca de familiares a ser contado na rádio", destacou Fischer.

O estúdio estava localizado em Buzi, mas a equipa ia em busca de histórias em diversas comunidades nos arredores. Iam com gravadores em busca de histórias que poderiam ser contadas pelas pessoas nestes locais. E a estação também estava aberta às pessoas que quisessem contar suas histórias no local.

"Impressionei-me com a comunidade de Buzi, que mostrou-se aberta. Não permaneceram com o mesmo número de pessoas na rádio, mas treinaram outros para trabalhar como eles. No início, eram oito homens e uma mulher. E, à medida em que o número de pessoas na rádio aumentou, também percebemos maior igualdade de género. Além disso, ver adolescentes a ter a oportunidade de falar publicamente na rádio foi algo absolutamente simbólico sobre o interesse da comunidade em Buzi".

Um total de 714 pessoas morreram e outras 2,8 milhões foram afetadas por calamidades naturais durante a época chuvosa 2018 e 2019, período marcado pela passagem de dois ciclones em Moçambique.

Segundo o mais recente relatório da Organização Internacional das Migrações (OIM), redigido em julho, e que alerta para a falta de condições para enfrentar a nova época chuvosa, que começa este mês, mais de meio milhão de pessoas ainda vivem em locais destruídos ou danificados. Outras 70.000 permanecem em centros de acomodação de emergência.

 

Tainã Mansani Jornalista multimédia