Mundial de Futebol no Catar: Reformas para "inglês ver"?
11 de novembro de 2022O céu é azul brilhante, não há uma nuvem à vista, e o sol aquece o ar a cerca de 35 graus. Além disso, a humidade do ar atinge cerca de 80 por cento neste dia. Inúmeros carros circulam pelas ruas estreitas do distrito de Al-Sadd, em Doha, a capital do emirado do Catar. Alguns trabalhadores que trabalham num estaleiro de obras, no centro da cidade, têm lenços puxados sobre a suas caras e cabeças para se protegerem do sol. Alguns sentam-se à sombra e fazem uma pequena pausa para uma bebida. Antes do Campeonato Mundial de Futebol, que começa a 20 de novembro, Doha continua com muitas obras. Na capital do estado do deserto, muitas estradas novas estão ainda a ser pavimentadas. O tempo é curto, as obras devem ser concluídas, pois faltam apenas alguns dias para que as primeiras seleções de futebol, dirigentes e adeptos cheguem a este pequeno país do Golfo Pérsico.
Já se passaram doze anos desde que a FIFA entregou o Campeonato do Mundo ao Catar. Foi, provavelmente, a desisão mais controversa na história da associação mundial de futebol FIFA. Segundo Wenzel Michalski, da Human Rights Watch (HRW), a eleição provavelmente foi determinada por corrupção e esquemas ilegais, o que desencadeou uma onda de críticas.
"A atual situação dos direitos humanos no Catar continua má", relata Michalski em entrevista à DW, enumerando os abusos: "As pessoas LGBTQ não têm direitos e são perseguidas, são espancadas, torturadas e presas. A liberdade de imprensa é restringida, não há estado de direito, manifestações e sindicatos não são permitidos no Catar. Além disso, as mulheres têm apenas direitos limitados e não são cidadãs responsáveis."
O governo do Catar tem tentado fazer passar ao mundo uma imagem liberal do país, afirmando oficialmente que fãs LGBTQ também são bem-vindos no Catar. No jornal alemão "Frankfurter Allgemeine Zeitung", o ministro das Relações Exteriores do Catar, Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, descreveu as críticas ao Catar, especialmente vindas da Europa, como "muito arrogantes e muito racistas". Na Alemanha as críticas contra o Catar agudizaram-se, depois de Khalid Salman, um dos embaixadores oficiais da Copa do Mundo, ter admitido sem rodeios, num documentário exibido pela televisão pública alemã ZDF, que, aos seus olhos, ser gay era "haram", ou seja, proibido e até "um dano mental".
Bidali: "Cada morte é uma morte a mais"
A situação dos trabalhadores migrantes no Catar também foi fortemente criticada nos últimos anos. Vários representantes de meios de comunicação social e de organizações não governamentais viajaram para o país para documentar as condições de vida e de trabalho às vezes dramáticas nas acomodações e nos estaleiros de obras no país. "Vi abrigos onde até doze pessoas tinham que viver juntas num pequeno quarto. As condições de vida eram miseráveis", lembra Malcolm Bidali em entrevista à DW. Bidali, de 29 anos de idade, foi funcionário de uma empresa de segurança em Doha e vigiava a obra do metro que vai levar parte dos adeptos aos estádios.
Além das condições de vida insuportáveis, há o facto de milhares de trabalhadores migrantes terem perdido a vida nos últimos anos no Catar. Os números variam entre três (dados do presidente da FIFA, Gianni Infantino) e 15 mil (dados da Amnistia Internacional). "Vemos que muitos dos mortos tinham entre 18 e 40 anos, ou seja, eram pessoas jovens e saudáveis. As certidões de óbito quase sempre falavam de morte natural", explica Bidali, que - no seu blogue - relata os abusos no Catar. "Mas não importa quão altos sejam os números, cada morte é uma morte a mais", diz o ex-trabalhador.
Reformas apenas por razões de relações públicas
Com o campeonato, o Catar queria atrair a atenção do mundo, mas acima de tudo melhorar a sua imagem a nível internacional. No entanto, o emirado aparentemente não esperava as críticas maciças dos últimos tempos. "A pressão dos média, da sociedade civil internacional e dos grupos de direitos humanos é enorme", diz Wenzel Michalski da HRW, adiantando que as reformas anunciadas foram adiadas várias vezes." De acordo com o representante da HRW, não houve sinal de vontade de fazer mudanças reais.
Para Binda Pandey, representante da Organização Mundial do Trabalho (OIT) no Nepal, o campeonato do mundo, pelo menos, atraiu mais atenção para os problemas dos trabalhadores migrantes. Não apenas no Catar, mas também no seu próprio país, que milhares de trabalhadores migrantes abandonam todos os anos, para viajar para o emirado para ganhar dinheiro para as suas famílias. "Por causa das discussões e por causa das mudanças exigidas pela Organização Mundial do Trabalho, e outras organizações, agora já estamos a falar mais sobre os problemas dos trabalhadores migrantes", diz Pandey e explica: "Agora já há advogados especializados em direito do trabalho no Nepal, que aconselham os trabalhadores antes de emigrarem para o Catar."
Já passaram doze anos desde que a FIFA, escandalosamente, entregou a organização do torneio de desporto mais mediático do mundo ao Catar. O futuro mostrará quão sustentáveis serão realmente as reformas anunciadas naquele pequeno, mas riquíssimo país. Existe o risco de que, após o apito final, as atenções voltem a diminuir, as críticas se amenizem e a pressão sobre o país diminua. "Sem a concessão do Campeonato do Mundo, nada teria mudado no Catar, mas temos que permanecer críticos mesmo depois do torneio", afirma Pandey, da OIT no Nepal. Os direitos humanos são globais e inegociáveis.
Wenzel Michalski espera que o evento leve a mudanças duradouras no Catar: "Espero que o tipo de presidentes da FIFA, representado por Gianni Infantino, passe a ser coisa do passado. E que a agenda de direitos humanos que a FIFA estabeleceu em 2019 seja levada a sério", enfatiza Wenzel Michalski.