O perigo da censura na Internet
7 de agosto de 2018"Primeiro, pensei que alguém tinha pirateado o meu telemóvel ou que havia alguma avaria", conta uma correspondente da DW que esteve no Mali, no final de julho, a reportar sobre a primeira volta das eleições presidenciais. De repente, deixou de ser possível aceder às redes sociais. Em vários países africanos, isto já se tornou quase uma tradição em alturas de eleições: páginas de internet críticas são desconectadas e aplicações de redes sociais dão erro.
Foi isso que aconteceu durante as presidenciais no Mali, segundo a organização Internet Sem Fronteiras. A ISF baseia-se em dados de um observatório internacional, que monitoriza diariamente a acessibilidade regional de páginas de Internet e aplicações. Segundo esses dados, na noite eleitoral no Mali, o WhatsApp e o Twitter, por exemplo, ficaram inacessíveis durante algumas horas. Suspeita-se que o Governo tenha pedido para bloquear o acesso.
Mas não há apagões temporários apenas quando se realizam eleições ou protestos. Também há organismos governamentais que censuram frequentemente conteúdos incómodos em países como o Ruanda, o Uganda ou os Camarões.
Listas de sites proibidos
"Há várias formas de bloquear e filtrar conteúdos na Internet", diz Mai Truong, especialista em Internet na organização não-governamental Freedom House, nos Estados Unidos da América. Mas, contrariamente à China, considerada a líder mundial em matéria de censura online, nenhum país africano tem a capacidade técnica para monitorizar toda a Internet. "Na África subsaariana, costuma ser mais frequente vermos as autoridades a pedir aos fornecedores de Internet para bloquear uma lista de endereços URL", afirma Truong.
Páginas de internet incómodas são bloqueadas. Isso é possível sobretudo em locais onde os fornecedores de internet estão nas mãos do Estado ou têm ligações muito próximas com o Governo. É isso que acontece em vários países subsaarianos, de acordo com uma investigação da Universidade de S. Galo, na Suíça. Mas mais frequente ainda é, segundo Truong, uma forma menos técnica de censura: a remoção de conteúdos já publicados. A polícia obriga proprietários de páginas de Internet a apagar textos e comentários que consideram ser inadequados, diz a especialista. Quem não coopera pode ter problemas na Justiça. E instaura-se, assim, um clima de medo e autocensura.
Além disso, há governos que tentam dificultar cada vez mais o acesso a serviços online e redes sociais. O Uganda, por exemplo, introduziu no início de julho uma taxa sobre o uso das redes sociais. Só tem acesso ao Facebook ou ao WhatsApp quem pagar o equivalente a 50 cêntimos de euro por dia ao fornecedor de Internet.
Mau para a economia
Oficialmente, o Governo de Kampala pretende aumentar as receitas dos impostos. Mas, para a ativista ugandesa Lillian Nalwoga, a medida não passa de um ataque à liberdade de expressão: "A forma como a taxa foi introduzida, com o Presidente [Yoweri Museveni] a dizer que iria ajudar a diminuir os mexericos na internet, mostra que há uma aversão às conversações que as pessoas estão a ter online."
Nalwoga, que lidera a filial ugandesa da organização Internet Society (ISOC), alerta que medidas como a taxa para as redes sociais afetam sobretudo os mais pobres e as pessoas que menos percebem de novas tecnologias. "Para muitos ugandeses, as redes sociais são o primeiro ponto de contacto com a Internet", diz. Se se cobra uma taxa, excluem-se potenciais novos utilizadores e limita-se o acesso livre à informação. As pequenas empresas seriam também prejudicadas, de acordo com Nalwoga, pois usam o Facebook, o WhatsApp ou o Instagram para publicitar os seus produtos.
"Se se continuar a cobrar esta taxa, tememos um efeito negativo na indústria online no Uganda", comenta a ativista.
Como dar a volta à censura
Mas há formas de contornar a censura na Internet - por exemplo através das chamadas Virtual Private Networks, ou VPN. "As VPN formam praticamente um túnel para o mundo exterior e permitem surfar na Internet como se estivéssemos num país sem impedimentos", explica Mai Truong, da Freedom House. Muitos governos tentam agir contra as VPN, "mas a boa notícia é que as VPN são bastante versáteis e há cada vez mais empresas de VPN a surgir, em reação à censura", afirma.
Truques como este não são apenas para especialistas em informática. Segundo a ativista Lillian Nalwoga, há uma aldeia no oeste do Uganda que tem mostrado cada vez mais interesse nos cursos de Internet do centro comunitário, que têm um foco diferente do habitual. "As pessoas já não querem só aprender a usar estes meios. Em vez disso, querem saber como é que podem instalar VPN".
É também por isso que muitos governos implementam leis que restringem cada vez mais as atividades online, embora o justifiquem oficialmente com a necessidade de ter mais ferramentas para lutar contra a cibercriminalidade. O Sudão, por exemplo, aprovou recentemente uma lei que prevê inclusive sanções para comentários desfavoráveis a respeito do Governo: "Atualmente, assistimos a esta grande tendência, com muitas leis a tentar regular as redes sociais e as críticas online", observa Truong, da Freedom House.
Medos e esperanças
A especialista também está preocupada com o facto de grande parte das infraestruturas de rede em África ser fornecida por empresas chinesas como a Huawei ou a ZTE - empresas com tecnologias que viabilizam a "Grande Firewall" da China. "Há um grande receio de que alguns governos africanos queiram cooperar com empresas chinesas para instalar tecnologias semelhantes nos seus países", diz Truong.
Ainda assim, há também registo de melhorias. Nos últimos meses, a situação na Etiópia e na Gâmbia melhorou bastante, segundo a especialista. "As mudanças governamentais levaram a uma maior abertura na Internet. Em ambos os países, os novos líderes desbloquearam uma série de conteúdos que estavam bloqueados."
Mas continua a haver leis bastantes restritivas, particularmente na Etiópia. Truong refere que a população etíope espera agora que a nova liderança dê um próximo passo: acabar definitivamente com essas leis, "para garantir que, no futuro, deixem de ser usadas contra os cidadãos".