O plano da Etiópia de aceder aos BRICS é controverso
7 de julho de 2023BRICS é a abreviatura para os cinco países membros do grupo de economias emergentes: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Os BRICS representam mais de 40% da população mundial e cerca de 26% da economia mundial. A Etiópia gostaria de ver a abreviatura alterada para BRICSE, ou seja, incluindo a Etiópia, segundo um anúncio oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros em 29 de junho. As opiniões divergem quanto à pertinência e às perspetivas do pedido de admissão.
Do ponto de vista da Etiópia, a adesão seria "estrategicamente muito importante e positiva", disse à DW Alexander Demissie, diretor da empresa de consultoria independente "The China-Africa Advisory", com sede em Colónia. "A Etiópia teria melhores possibilidades de promover os seus interesses e de se tornar parte da reformulação em curso da ordem económica e geopolítica internacional."
"Reformulação da ordem económica e geopolítica"
O sistema de Bretton Woods, implementado após a Segunda Guerra e que visava criar uma nova ordem económica mundial, está "a ser alterado por organizações como os BRICS", explicou Demissie. Estas organizações "desenvolveram uma estrutura que pode oferecer um cenário alternativo aos países emergentes como a Etiópia".
Demissie dá como exemplo o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), fundado pelos países BRICS em 2014 como uma alternativa ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Este banco poderia fornecer capital adicional para o desenvolvimento de infraestruturas na Etiópia.
Yared Haile-Meskel, diretor da empresa de consultoria financeira YHM Consulting, em Adis Abeba, é menos otimista. Na sua opinião, expetativas associadas a uma adesão são exageradas: "Não antecipo um milagre que nos proteja ou nos torne prósperos. Não creio que os BRICS resolvam um único dos nossos problemas". O especialista financeiro critica a dependência da Etiópia - e de toda a África - tanto do Ocidente como dos países BRICS. Estes últimos são um "clube exclusivo que quer afirmar a sua própria influência global", salienta.
Estreitar os laços em África
Segundo Haile-Meskel, a Etiópia deve concentrar-se nos seus próprios pontos fortes: "Temos de ser capazes de vender o nosso próprio poder nacional. Também temos de aliar-nos a outros países em África. A realidade é muito triste. O continente fornece ao mundo a maior parte dos metais preciosos. No entanto, não temos uma moeda própria baseada em ouro. A África precisa de mudar de forma de pensar. Por vezes, pagamos um preço muito elevado por imitarmos os outros".
Com mais de 120 milhões de habitantes, a Etiópia tem a segunda maior população de África. É uma das maiores economias do continente e está entre as que crescem mais rápido.
No entanto, a sua produção económica ocupa apenas o 59º lugar em termos globais e o seu volume é menos de metade do membro mais pequeno dos BRICS, a África do Sul. A Etiópia tem vindo a expandir o seu comércio com a China e a Índia, entre outros. Mas a população e a economia sofreram muito com guerra civil e a seca nos últimos anos.
As consequências da guerra e da fome
As armas na antiga zona de guerra no estado de Tigray, no norte do país, só se calaram em novembro de 2022. Calcula-se que cerca de 600 mil pessoas foram mortas e pelo menos dois milhões foram obrigadas a fugir do conflito em torno da secessão dos tigrinos. A situação está longe de resolvida. Além disso, ainda se verificam outros conflitos internos: as tropas governamentais travam batalhas com milícias das etnias Oromo e Amhara no interior do país.
Para além das consequências inerentes a conflitos armados, milhões de pessoas sofrem de fome devido a anos de seca. A falta de abastecimento de cereais da Ucrânia e da Rússia agrava a situação. O mesmo se aplica aosdesvios da ajuda alimentar do Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas.
A guerra civil custou muito dinheiro ao Estado. Ao mesmo tempo, aumenta a taxa de inflação.
"Em vez de procurar aderir ao bloco dos BRICS, o primeiro-ministro Abiy Ahmed deveria concentrar-se em travar a inflação", escreveu na plataforma social Twitter o economista Steve Hanke, da Universidade Johns Hopkins.
Gustavo de Carvalho, do South African Institute of International Affairs (SAIIA), em Joanesburgo, diz que mais de 20 países já manifestaram o desejo de aderir ao grupo dos BRICS. "Muitos têm características semelhantes. Tal como a Etiópia, são poderes regionais, economias em rápido crescimento e populações muito grandes." Partilham também o interesse em utilizar moedas alternativas, especialmente no comércio bilateral. Os países candidatos pretendem tornar-se menos dependentes do dólar americano.
A identidade do grupo
Carvalho não acredita que a Etiópia venha a tornar-se membro dos BRICS num futuro próximo. "Se eu tivesse de fazer uma escala de probabilidades, diria que a Etiópia está a meio".
"O processo vai levar tempo", acredita o consultor Alexander Demissie. Mas há "muitos sinais positivos para o futuro", também devido à localização favorável da Etiópia.
A próxima cimeira dos BRICS ocorre na África do Sul em agosto. "Quando muito só um ou dois novos países se juntarão aos BRICS", diz Gustavo de Carvalho, que não descarta a hipótese de não haver sequer novas adesões. O analista diz ser mais urgente uma maior clareza no que diz respeito à identidade do grupo de Estados: "Uma questão central - que penso que ainda não foi clarificada - é a definição dos critérios: quais são as condições para uma adesão aos BRICS? Continuamos a não ter certezas neste contexto."