Orçamento angolano mais uma vez não prioriza setores sociais
16 de agosto de 2016O Parlamento de Angola aprovou esta segunda-feira (15.08) o Orçamento Geral do Estado (OGE) retificativo, que mais uma vez garantiu amplo investimento em áreas como a Defesa e Segurança, e não contemplou a Saúde e a Educação.
O ministro das Finanças de Angola, Armando Manuel, diz que o aumento da despesa com os serviços policiais é justificável pela crise económica que o país atravessa, o que poderia gerar um aumento da criminalidade.
Para o analista Carlos Rosado de Carvalho, o principal problema do OGE não é priorizar a Segurança e a Defesa, mas reduzir os gastos com a saúde e a educação. Segundo o analista, o corte em ambos os setores é de aproximadamente 40 mil milhões de kwanzas.
Mesmo priorizando a Defesa e a Segurança, o OGE também reduziu as despesas nestes setores, que passaram de 14,4% no orçamento inicial de 2016 para 13,4% no plano atual. De acordo com Rosado, o OGE retificativo chega a ser pior do que o aprovado no início do ano pelo Parlamento.
A DW África entrevistou o analista, que fala ainda sobre o aumento das desigualdades em Angola e o que deveria ser prioridade nos investimentos do país.
DW África: Por que os gastos com Defesa e Segurança são maiores do que os gastos com Saúde e Educação juntos?
Carlos Rosado (CR): Isto é assim desde que há registos sobre o orçamento em Angola. Portanto, desde 1991 que as despesas com Defesa e Segurança são superiores às despesas de Saúde e Educação juntas. Só para nós termos uma ideia, as recomendações internacionais são que a Educação represente por volta de 20% do OGE, e que a Saúde represente por volta de 15%. E, portanto, o que nós temos nesta altura é que a Educação representa só 6,6%, logo três vezes menos do que aquilo que é recomendado internacionalmente; e a Saúde 4,4%, também três vezes menos do que aquilo que é recomendado.
DW África: Por que motivo a proteção social não contribuitiva é praticamente inexistente em Angola?
CR: Em países muito vulneráveis, com muitos pobres que vieram da guerra, em que as pessoas não contribuíram para o sistema, a proteção social não contribuitiva desempenha um papel fundamental. Mas temos muito pouco: a proteção social não contribuitíva representa 5% ou 6% dos gastos. O Governo aparentemente teme que as pessoas se habituem às transferências diretas e que depois não trabalhem. O Governo não quer uma política assistencialista, só que o nosso pobre está tão pobre que nem consegue ‘pescar com a cana'; não tem capacidade de fazê-lo. E, portanto, todos os estudos da UNICEF, do Fundo Monetário Internacional, apontam neste sentido: que deveria criar, sim, um programa de transferência de renda para as pessoas mais pobres e vulneráveis. Eu também estou de acordo, acho que assim podemos criar até maus hábitos, mas nós temos condições tão pobres, tão vulneráveis, que elas não conseguem sequer ir trabalhar. Eu espero que rapidamente o Governo mude de opinião e passe a dar mais dinheiro para a segurança social não contribuitiva.
DW África: E, apesar da crise, o Governo angolano tem condições de conceder benefícios sociais à população?
CR: Apesar da crise, tem que ter. Se nós temos dinheiro para gastar na Defesa e na Segurança, temos que ter dinheiro para atender as populações. Naturalmente que isto implica uma estrutura diferente do OGE, portanto não é com esta estrutura. E também ninguém defende uma alteração abrupta. Agora, nós temos que dar sinais de que estamos a mudar, e que queremos mudar. São esses sinais que não são vistos no OGE. Nós não gastamos em todo setor social aquilo que se recomenda internacionalmente apenas para a Saúde e Educação. Só a Saúde e Educação deviam levar 35% do orçamento, mas levam 11%. No total, o setor social leva 28%. Isto tem que ser prioridade, e do meu ponto de vista estas prioridades estão claramente mal estabelecidas.
DW África: E olhando para o orçamento retificativo, pode-se prever um agravamento da desigualdade?
CR: Aparentemente, sim. Já partimos de uma situação de desigualdade; já partimos de uma situação em que muita gente critica a forma como os recursos, que são escassos, são distribuídos.Provavelmente nós vamos assistir a um aumento das assimetrias, a um aumento das desigualdades.
DW África: Se a gente for comparar os problemas que o país enfrenta com a crise do petróleo, não é comparado ainda com o sub-financiamento da educação e da saúde, não é mesmo?
CR: O petróleo vai aumentar, vai diminuir, vai acabar, mas os angolanos ficam cá, e, portanto, aquilo que diferencia os países é a qualificação das pessoas e é a saúde das pessoas. Só com pessoas qualificadas e saudáveis é que nós temos produção, produtividade, e temos competitividade da economia. O nosso orçamento não privilegia estes setores.